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Dia Internacional do Jazz: um espaço para a paz

Por Beatriz Magalhães Castro (*) | 30/04/2024 08:30

O Dia Internacional do Jazz, que busca “destacar o jazz e seu papel diplomático de unir pessoas em todos os cantos do globo,” torna-se cada vez mais uma data fundamental sob distintos planos. Ao celebrar a união de pessoas e lhes dar essa capacidade e inspiração, abre uma via para ações em prol de um bem comum no qual a paz global e outros aspectos sociais imperativos podem ser objeto de reflexão neste 30 de abril.

Distingue-se do mais conhecido Dia Internacional da Música, que tem como figura central Santa Cecília, dita padroeira dos músicos, celebrado em diferentes datas no planeta, mas que no Brasil foi instituído por Getúlio Vargas no Decreto nº 21.011, de 01/02/1932, determinando o 22 de novembro como o “Dia da Música,” a ser “comemorado pelas bandas de música militares, e bem assim nos estabelecimentos de ensino oficial, sem prejuízo dos trabalhos escolares.”

Diferente de um cenário erigido pela moral monolítica judaico-cristã, o Dia Internacional do Jazz encerra a memória de outros martírios, só que em planos nos quais dimensões sociais do indivíduo passam ao nível de coexistência e suporte mútuos, aspecto relevante neste momento no qual situações de guerra ameaçam o equilíbrio e a paz global.

Criado em Novembro de 2011, o Dia Internacional do Jazz é presidido pela diretora-geral da Unesco, Audrey Azoulay, e por Herbie Hancock, pianista e compositor, presidente do Instituto Herbie Hancock de Jazz e embaixador da Unesco para o Diálogo Intercultural.

Interculturalidade e seus diálogos é questão primordial na musicologia contemporânea, onde o reconhecimento do trânsito e a mobilidade da música entre grupos culturais demove as barreiras entre erudito vs. popular vs. tradicional, contribuindo para uma melhor compreensão num mundo conectado.

O jazz tem raízes profundas nos cantos de trabalho dos negros escravizados, na manutenção de uma identidade e da sua sobrevivência, então deslocada naquele contexto de exploração humana. Seu desenvolvimento em termos de linguagem musical atinge patamares de experimentação e sofisticação paralelo ao desenvolvimento da linguagem musical ocidental, avançando posteriormente de forma significativa no mundo discográfico e cultural como marco civilizatório fundamental.

Não é surpresa que o mais premiado músico nas edições mais recentes do Grammy Awards, o pianista e compositor Jon Batiste, declara no documentário American Symphony, produzido pela Netflix sobre a sua trajetória, que “we have DNA,” se referindo ao legado musical produzido pela comunidade dos músicos negros americanos que integra e representa.

No Brasil, tal “DNA” também vigora e é objeto de diversos estudos que buscam ultrapassar o discurso colonialista vigente, trazendo o histórico do que poderíamos chamar de uma “estética da liberdade,” como expressa Gevin Steingo em seu Music and the Aesthetics of Freedom in South Africa, de 2016.

Recentemente, estudos no Departamento de História na Universidade de Brasília sobre os vissungos de Minas Gerais, me proporcionaram a chance de me aprofundar neste extraordinário repertório, o qual poderíamos considerar como análogo aos primeiros blues, já que, como o fez Gerhard Kubik (1999), as raízes de muitos dos seus elementos remontam ao continente africano, o “berço do blues.”

A importância dos estudos da música sob a perspectiva afro diaspórica nos tem levado a repor o apagamento encontrado nas diversas historiografias da música no Brasil, desde os vissungos e demais cantos e práticas culturais africanos, como também nas trajetórias de compositores, intérpretes e músicos em suas necessárias buscas por espaço e afirmação.

Este DNA está, portanto, presente na produção de músicos extraordinários como os Tincoãs, Seu Mateus Aleluia, Don Salvador, e a Banda Black Rio que, no movimento homônimo, tornam-se visíveis a partir do impacto global dos movimentos de direitos civis dos afro-americanos, das décadas de 50-70, mas que hoje tem nos repertórios do funk contemporâneo, do hip hop e do trap, de Mano Brown, Emicida e Ludmilla, seus principais atores.

Portanto, já não se pode dizer que constituam apenas estilos musicais, pois ultrapassam o objeto música transcendendo-o em movimentos sociais que vem encontrando espaço de resistência para exercício e (re)construção desse legado.

Assim, o Dia Internacional do Jazz celebra também o repertório afrodescendente brasileiro, mas o extrapola, reivindicando espaço e visibilidade para uma cultura de maior tolerância, convivência e convergência na apreciação de uma escala courbesiana do mundo, sua organicidade, sua gente e sua música.

(*) Beatriz Magalhães Castro é professora do Departamento de Música da Universidade de Brasília.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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