Escassez de água em Tangará da Serra: uma tragédia anunciada
Soa estranho afirmar que Tangará da Serra, município localizado nas cabeceiras do Pantanal, região abundante em água doce, enfrenta problemas de abastecimento público, mas é a triste realidade.
Há pelo menos três meses, centenas de famílias estão sem água no Distrito Triângulo. As bombas que deveriam retirar a água de uma mina não conseguem funcionar porque o nível está muito baixo, forçando os moradores a improvisar: ou armazenam água da chuva – quando ela vem – ou têm que caminhar quilômetros para buscar água em comunidades vizinhas.
Na semana passada, outra notícia muito triste nos foi revelada: as aulas na Escola Estadual Emanuel Pinheiro, no centro da cidade, foram suspensas devido à falta de água. O problema também está atingindo diversos comércios da cidade. Há restaurantes, por exemplo, que estão tendo que preparar os alimentos com água mineral.
Mas essa escassez afeta não só o abastecimento urbano, como mencionado acima, mas também a produção agrícola e agropecuária. Na região de Tangará existem frigoríficos de bovinos e aves e pequenos produtores agrícolas que dependem da água da bacia do Queima-Pé para sua produção. Essa situação, infelizmente, é uma tragédia anunciada porque não houve planejamento.
A cidade não se preparou para afrontar os menores volumes de chuva. Tampouco aceitou as sugestões emitidas pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do rio Sepotuba desde 2010. E tampouco executou ações para promover a recarga da vazão do rio Queima-Pé e dos seus afluentes.
O Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (SAMAE) está construindo um reservatório para armazenar 1 milhão de metros cúbicos que deverá estar concluído em janeiro de 2017. Ocorre que, se não houver um aumento da vazão do rio Queima- Pé, esta obra será inócua.
Então, o que deve ser feito? Os efeitos da falta de água para a população poderiam ter sido minimizados, caso tivessem sido adotadas algumas medidas simples, como por exemplo:
* Promoção de maior infiltração da água das chuvas, com o objetivo de recarregar o lençol freático, através da drenagem das águas pluviais da área urbana e da área do entorno das nascentes dos rios que formam a bacia do rio Queima-Pé, que é o manancial de abastecimento público da cidade de Tangará da Serra;
* Recuperação das estradas rurais da bacia do rio Queima-Pé, localizadas na área de contribuição desse manancial, da área à montante da Estação de Tratamento de Água, a exemplo do que foi feito na estrada da Pedreira, com recursos do Pacto em Defesa das Cabeceiras do Pantanal em parceria com o WWF-Brasil e IPAC e que contou com apoio de empresas locais e da Secretaria de Infra-Estrutura do município. A estrada foi levantada e foram construídas bacias de contenção nas suas margens. No interior das bacias de contenção foram instalados mecanismos de drenagem com o objetivo acelerar a infiltração da água das chuvas ali retida;
* Relocação da estrada vicinal que corta o rio Queima-Pé no sentido transversal, próximo das suas nascentes;
* Construção de curvas de nível em propriedades onde são desenvolvidas atividades de agricultura e pecuária, localizadas na área de contribuição desse manancial, com o objetivo de reter e promover a infiltração das águas pluviais e assim recarregar o lençol freático;
* Recuperação da mata ciliar (áreas de preservação permanente) do rio Queima-Pé;
* Desenvolvimento de políticas públicas visando incentivar o reuso de água e a construção de cisternas para armazenamento da água das chuvas.
Como morador de Tangará da Serra, mas também como engenheiro agrônomo, consultor ambiental, e conselheiro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, reitero a necessidade urgente da instalação de mecanismos de drenagem na área urbana e na área rural, com o objetivo de promover uma maior infiltração da água das chuvas.
É uma alternativa de baixo custo e eficiente, além de evitar problemas de alagamentos na cidade e de causar o carreamento de sedimentos e contaminantes para o leito dos rios.
O Pacto em Defesa das Cabeceiras do Pantanal, movimento que tem por objetivo conservar os rios e as nascentes da região onde nascem as águas responsáveis pela inundação da planície, deve ser levado em conta e incentivado pelos gestores públicos.
Em Tangará, o Pacto promoveu a recuperação de 2,5 quilômetros de uma estrada vicinal, a construção de 26 quilômetros de curvas de nível em propriedades rurais e a instalação de 100 mecanismos de drenagem no entorno do córrego Uberaba, que é afluente do rio Queima-Pé.
Deve-se ressaltar que as ações ali desenvolvidas, promoveram o aumento da vazão daquele córrego, que em 31.08.2015 era de 186,48 m3/hora, mesmo com uma precipitação menor no período de setembro de 2015 a agosto de 2016, que foi de apenas 1.515 mm.
Chegou a hora de darmos as mãos: sociedade civil, empresas, ONGS e setor público, para juntos buscarmos as soluções, possíveis e mencionadas acima.
(*) Décio Siebert é engenheiro agrônomo, Msc em Recursos Hídricos e conselheiro do Conselho Estadual de Recursos Hídricos de Mato Grosso. Integrante do Pacto em Defesa das Cabeceiras do Pantanal por meio do Instituto Pantanal Amazônia de Conservação (IPAC).