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O suicídio entre os Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul

Por Jorge Eremites de Oliveira* | 18/11/2011 12:12

O suicídio entre indígenas Kaiowá e Guarani em Mato Grosso do Sul, especialmente na região da Grande Dourados, é tema controverso de grande repercussão na mídia nacional e internacional. Também tem chamado à atenção de vários pesquisadores (antropólogos, educadores, epidemiologistas, historiadores, psicólogos, psiquiatras etc.) que se propuseram a estudar o assunto. Trata-se de um fenômeno multicausal, isto é, possui múltiplas causas a depender de cada caso. Um desses fatores está ligado ao processo de territorialização a que indígenas têm sido submetidos em reservas no estado. Este é o caso de lugares onde há a conjugação de dois fatores: violação de direitos e superpopulação humana em áreas diminutas para a reprodução física e cultural dos indígenas. Isso porque antigamente eles não tinham passado por experiências traumáticas e mudanças socioculturais tão violentas e abruptas quanto agora: tentativas de disciplinamento por parte de agentes do Estado, ação intolerante de missionários religiosos, proliferação de bebidas alcoólicas e drogas ilícitas, diminuição da qualidade de vida e, por conseguinte, da dignidade da pessoa humana, dentre outras. Esta ideia é respaldada pelo fato de não haver registros – inclusive na memória das pessoas mais idosas – de altos índices de suicídios entre os Kaiowá e Guarani antes da segunda metade do século XX, especialmente entre os mais jovens.

Foi a partir da década de 1910 que o Estado reservou áreas, em média com 3.600 hectares, para a acomodação de comunidades indígenas distribuídas por um amplo território no antigo sul de Mato Grosso, atual Mato Grosso do Sul. Para esses lugares foram enviadas muitas famílias vítimas de processo de esbulho nas terras que ocupavam tradicionalmente, cuja população tem crescido ano após ano. Daí compreender a ideia da hipótese do recuo impossível, isto é, do “esgotamento de qualquer possibilidade de recuar no espaço, diante da ‘civilização ocidental’”, sugerida em 1991 pelo epidemiologista Anastácio F. Morgado, da Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, do Rio de Janeiro. Ou o “suicídio pelo tehohá”, o território tradicional, apontado em 1994 pela historiadora Marina Evaristo Wenceslau, atualmente docente da UEMS.

Outro fator ligado ao suicídio pode ser a maneira como setores da imprensa regional têm dado ampla divulgação aos fatos. Alguns chegam a publicar fotografias de pessoas enforcadas e até mesmo de corpos em estado avançado de decomposição. Para muitos Kaiowá e Guarani, o suicídio não é tema para ser divulgado dessa maneira, pois o ocorrido por uns pode servir de exemplo a outros, sobretudo aos mais jovens. Não por menos, portanto, eles possuem certos procedimentos para ligar com casos tipicamente suicidas, os quais não convêm tratar aqui. Ademais, matérias sensacionalistas sobre episódios dessa natureza chamam à atenção para a construção de imagens distorcidas a respeito dos povos indígenas, como se eles constituíssem sociedades decadentes, bestiais e autodestrutivas. Embora não haja consenso sobre a temática, o fato é que a preocupação dos indígenas vai ao encontro da orientação de muitos veículos de comunicação respeitados internacionalmente. A exceção parecer ser para o caso da morte de pessoas famosas, como ocorreu com Getúlio Vargas, em 24/08/1954, ou do suicídio de pessoas em locais públicos. Não se trata aqui de posicionar-se contra a liberdade de imprensa, pelo contrário, mas de chamar à atenção para a complexidade do assunto frente ao trabalho dos profissionais do jornalismo.

Com efeito, o suicídio entre os Kaiowá e Guarani é tema complexo e polêmico. Por isso mesmo deve ser tratado com cautela para o grande público e como tema relevante para as ações realizadas por órgãos do Estado e segmentos da sociedade nacional organizada. Eis aqui, portanto, um assunto para reflexões por parte daqueles que defendem a tolerância entre os povos, a vida e a dignidade da pessoa humana.

(*) Jorge Eremites de Oliveira é doutor em História/Arqueologia pela PUCRS e professor da UFGD

(eremites@ufgd.edu.br).

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