Pelo direito de ser especial
Senado e Câmara dos Deputados estão em meio a uma nova polêmica. Após enfrentar intensos debates sobre matérias variadas, como a distribuição igualitária dos royalties do petróleo aos Estados e o projeto do Ato Médico, e estar neste momento discutindo o fim do voto secreto, o Programa Mais Médicos e a proposta de reforma política, o Congresso Nacional se debruça também sobre projeto que envolve as organizações da sociedade civil que oferecem educação às pessoas com deficiência.
A polêmica reside em torno do Projeto de Lei da Câmara (PLC) nº 103, de 2012, sobre o Plano Nacional de Educação (PNE), que trata, na Meta 4, da universalização do atendimento escolar para a população de 4 a 17 anos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento (TGD) e altas habilidades ou superdotação.
A proposta inicial, do Poder Executivo, configurava a concepção estrita da educação inclusiva, em que somente o atendimento complementar ou suplementar especializado é que poderia ter lugar fora da rede regular de ensino. Após extensas mobilizações e debates na Câmara, a redação da Meta 4 foi modificada, de modo a admitir a manutenção das escolas e classes especiais, com opção "preferencial" pela matrícula na rede regular de ensino.
No Senado, no entanto, o projeto retomou a proposta original do Poder Executivo, de universalização do atendimento dessa população na rede regular de ensino, com previsão de transitoriedade do cômputo de matrículas da educação especial não pública no Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (FUNDEB) a partir de 2016.
Depois disso, somente seriam contabilizadas para fins de repasses do Fundo as matrículas de estudantes que recebam atendimento especializado nas instituições de educação especial conveniadas com o poder público em caráter suplementar ou complementar à educação regular. Para esses alunos, continuaria permitida a chamada “dupla matrícula”, o que possibilita o cômputo simultâneo, para fins de repasses do Fundeb, de sua matrícula na rede regular de ensino e na instituição de educação especial responsável pelo atendimento complementar.
Representantes de entidades que há mais de cem anos desenvolvem esse trabalho, como as Associações de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAEs) e as Sociedades Pestalozzi, entendem, no entanto, que a alteração feita pelo Senado coloca a educação especial em segundo plano. Pior: temem que o volume de recursos repassados pelo poder público seja reduzido, comprometendo o atendimento dessa parcela da população. Aos poucos, avaliam, o ensino especial, tão cuidadosamente executado por essas instituições, poderia ser extinto no país.
Essa preocupação ficou evidente em reunião promovida em 30 de agosto, na Capital, pela Secretaria de Trabalho e Assistência Social do Estado com as organizações da sociedade civil de atenção às pessoas com deficiência, em que foram explicitados, de maneira clara, os pontos polêmicos da proposta.
O impasse, enfim, está criado e cabe ao Senado buscar solução para evitar que o trabalho de tais entidades, reconhecidamente extraordinário, seja esvaziado por conta de dispositivos previstos no projeto 103/2012, penalizando milhares de pessoas com deficiência que buscam se desenvolver e incluir-se sociamente.
(*) Waldemir Moka (PMDB-MS), presidente da Comissão de Assuntos Sociais do Senado.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.