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Pra Lei do Silêncio Johann Sebastian Bach é um criminoso!

Por Galvão (*) | 10/09/2013 13:50

Uma das características boas das sociedades modernas é sua a preocupação com a ecologia e todos os aspectos que envolvem o bem estar da sociedade. E isso se consubstancia, em parte, na qualidade e abrangência de suas leis ambientais.

E como nada é pra sempre, principalmente em se tratando de normas específicas, onde a vida social é dinâmica, o planeta sofre todos os dias degradações, novas soluções e problemas surgem da noite pro dia e os regulamentos precisam ser atualizados, revisados pra ficar mais próximos da harmonia com o seu tempo.

E pra isso, atendendo aos anseios da sociedade campo-grandense, o Conselho Municipal de Cultura e a Fundação Municipal de Cultura farão um seminário no dia 23 de Setembro deste ano, pra estudar e fazer melhorias na Lei do Silêncio, lei esta, criada ainda no governo municipal de Juvêncio da Fonseca no começo dos anos 1990, tendo em vista que sua aplicabilidade hoje está gerando uma série de problemas na cidade, como fechamento de bares, confusões nas feiras, uma série de indisposições com os artistas de ruas, pendengas diversas com as manifestações artísticas nos bairros e um contumaz abuso de autoridade por parte dos órgãos fiscalizadores.

As contendas envolvendo a Lei do Silêncio ganharam maior visibilidade quando da proibição de shows musicais na tradicional feira agropecuária da capital. Mas é preciso que fique bem claro que não se quer acabar com a Lei do Silêncio, mas sim humanizá-la, ampliá-la, melhorá-la. Pra isso todos os segmentos sociais envolvidos deverão fazer presença para essa nova construção, já que se vai mexer com um dos bens mais preciosos da sociedade: as suas manifestações culturais.

A lei do Silêncio da forma como está redigida é anacrônica, segregacionista, musicofóbica e consequentemente preconceituosa. Ela valeria tanto para os tempos das cavernas como para os dia de hoje, pois para suas definições, tudo que é produzido em termos de sons é considerado barulho. Esse é o paradoxo da Lei do silêncio, pra ela não há distinção do som de uma britadeira para o som de um violoncelo. Uma orquestra sinfônica e um trator é tudo igual.

Contudo, a sociedade evoluiu e produziu música, produz cultura. E a música é uma das maiores elaborações que a humanidade já organizou. A música causa bem estar e felicidade e até agora não se conhece nenhuma sociedade que não necessite de música.

Portanto, no processo de ampliação da Lei do Silêncio é preciso contemplar isso, inserindo também na lei o conceito de produção de um som que não caracterize barulho, ou seja, explicar a música como um todo e consequentemente todo o arcabouço de definições que incidem diretamente nessa manifestação artística humana. Uma vez diferenciado música e barulho, na lei, a fiscalização para o controle da emissão de sons será diferenciada.

A Semadur deverá ficar com seus afazeres habituais que é atuar e fazer cumprir a lei com relação ao barulho, à perturbação do sossego dentre outras suas atribuições pertinentes, mas com relação à musica, às manifestações artísticas públicas, um conselho de gestores de cultura, compostos por músicos, maestros, intelectuais, antropólogos, produtores, estudiosos é que avaliarão cada caso.

Esse conselho é que estará preparado para dar o veredito final. Isso incidirá diretamente contra a ditadura dos aparelhos de medição de barulho em que a cultura se encontra refém hoje e está gerando toda essa problemática desnecessária! A ideia precípua dessa nova mudança é separar o joio do trigo: música não é barulho!

Outra, a Lei do Silêncio é segregacionista porque propõe o confinamento das manifestações artísticas através de tratamentos acústicos recorrentes. Isso na prática significa que não possível fazer música em ambiente aberto, porque dentro da média de sessenta decibéis de sons permitidos pela lei, inviabiliza toda manifestações ao ar livre.

Na realidade esse confinamento proposto pela lei está transformando os bares da cidade em boates como o Bodega e o Miça na Afonso Pena e adulterando indiscriminadamente a paisagem arquitetônica da cidade e por sua vez decretando o fim do bar tradicional. E o preço desse abafamento cultural é alto, em média 70 mil reais são os custos pra fazer uma adaptação acústica, penalizando os pequenos comerciantes.

Se as grandes civilizações tivessem sofrido essas agressões de confinamento teria sido dizimada boa parte da cultura humana, pois as manifestações artísticas foram forjadas nas ruas, nas praças em ambientes livres! Uma ilustração: se Johann Sebastian Bach fosse reger uma grande orquestra ao ar livre, em Campo Grande, hoje seria considerado pela lei, um criminoso ambiental, um bandido! E é assim como é visto por parte dos fiscalizadores da lei do silêncio: donos de bares são criminosos ambientais.

Nossa arte de um modo geral praticada em ambientes livres é vista pela lei como crime! Mesmo na contramão, porque a garantia individual expressa no art. 5º, IX, da Constituição Federal de 1988 diz que “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”. E essa deturpação é que precisa ser corrigida urgentemente! E que Campo Grande seja um celeiro de fartura cultural!

(*) Raimundo Edmário Guimarães Galvão é músico e tem participado ativamente no processo de mudanças da lei do silêncio em Campo Grande.

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