O "bandidão" que acordou a tempo de não perder a vida para as drogas
Ele tem 64 anos, é militar aposentando da Marinha, tem três filhos, está no quarto casamento e vive em Campo Grande. Por mais de 30 anos foi usuário de maconha, cocaína e pasta base, além de alcoólatra
Quem conversa com ele custa a acreditar que seu apelido, no passado, foi "Bandidão", tampouco na história de que ele costumava visitar favelas e subir morros do Rio de Janeiro em busca de maconha e cocaína. As declarações fornecidas por este homem, um senhor, é a prova de que o mundo das drogas, repleto de ilusões, definitivamente não vale a pena. Entrar é fácil. Difícil é sair sem arriscar a própria vida.
Para ele, foram 34 anos de batalha. Hoje, tem 64 anos, é militar aposentando da Marinha, pai de três filhos, no quarto casamento. Vive em Campo Grande. Está longe da cidade descrita como "maravilhosa", mas continua perto de várias bocas de fumo espalhadas pelo bairro onde mora. A vantagem, se ela existe, é que esta realidade, para ele, não representa mais perigo.
Nem sempre foi assim. O primeiro contato com o "universo paralelo" aconteceu cedo, aos 13 anos, em Corumbá, cidade onde nasceu. "Tinha um colega da marinha que queimava fumo. A gente estava jogando bola, ele acendeu um e me oferece um trago", relembrou.
Em poucos dias, o cigarro de maconha já era um vício enraizado. Para a pasta base foi um pulo, mas havia um agravante: o álcool. O menino que mal tinha entrado na adolescência não ficava longe da bebida, a mesma que costumava ver o pai tomando em casa; aquela que o tio pedia para comprar desde criança, em doses, nos botecos da cidade.
"Começou aos sete, oito anos. Ele pedia para eu comprar cachaça no copo e eu vinha do botequim bicando, disse, ao revelar que o pai também era alcoólatra. Quatro anos depois, entregue ao alcoolismo e às drogas, o rapaz que até então tinha 17 anos, entrou para Marinha e se mudou para o Rio de Janeiro, onde, paralelamente ao serviço militar, passou a cursar ciências contábeis em Cascadura, na zona norte.
Lá, conheceu a cocaína e, em busca da droga, passou a frequentar bocas de fumo em favelas e chegou a subir alguns dos morros cariocas, como o "Pedra Lisa", que fica atrás da Central do Brasil.
A vida desandou e as perspectivas de futuro ficavam cada vez mais distantes. Mesmo assim, o rapaz conseguiu subir de graduação e alcançou o posto de 1º sargento, atuando como submarinista, mas o vício passou a atrapalhar a carreira, tanto que chegou a ficar preso por 10 dias no presídio naval porque havia arrumado confusão dentro de um submarino.
O relacionamento familiar também estava prejudicado. Era a esposa e os filhos pequenos quem aguentavam tudo. "Você quer ser autoridade em casa. Eu tinha mania de grandeza, contava só vantagem, era grosso e xingava todo mundo", disse.
Quando não tinha dinheiro para comprar droga, ele procurava um agiota. Acabou se endividando e perdeu a noção do que estava fazendo com a própria vida. "Brigava por qualquer motivo e só andava armado. Meu apelido, para você ter ideia, era bandidão", contou.
Aos 46 anos, quando saiu da Marinha, voltou a Corumbá, mas continuou no mesmo caminho. Deixava a casa sem dar satisfações e só chegava quando queria. Às vezes, passava dias sem tomar banho e, quando retornava, bêbado e drogado, ainda caçava confusão com a esposa e a acusava de traição.
Foi assim por um bom tempo, até o último porre, na madrugada de 7 de agosto de 1995, quatro dias depois de ter saído para receber o pagamento. "Voltei com quatro dedos de cachaça e despertei na frente de casa. Com um cigarro aceso, sentei na calçada e comecei a pensar: Deus, acho que para mim não tem mais nada", relembrou o que ele chama de "passamento".
Naquela noite, a esposa, como sempre, estava mais uma vez à espera. Ele entrou e, do jeito que estava, dormiu.
O recomeço - No outro dia cedo, alguém bateu à porta. Eram dois homens que integravam o grupo AA (Alcoólicos Anônimos) e que ele nunca havia visto andado por aquelas redondezas.
A primeira reação foi expulsá-los. Foi o que fez, mas os rapazes, insistentes, voltaram no dia seguinte. Era o início de uma nova história na trajetória do homem que até os 52 anos havia destruído a própria vida.
Com muito custo o militar aceitou, enfim, conversar. Pouco tempo depois, passou a frequentar as reuniões do grupo em uma unidade de Corumbá. "Achava que não tinha mais jeito, fui em todo lugar", destacou, ao afirmar que, na irmandade, conquistou uma nova vida e, desde aquele dia, nunca mais se entregou ao vício.
O ex-militar é um dos muitos casos cruzados, de álcool e drogas, que hoje chegam à irmandade. "O alcoolismo é o trampolim para as drogas", resumiu.
De quem foi a culpa ? - Há 17 anos "limpo", o senhor que abriu essa reportagem têm uma nova história, de alegria, de superação, mas também tem consciência das escolhas que fez e sabe o que enfrentou por conta das atitudes inconsequentes que tomou na juventude. Carrega parte da culpa, apesar das circunstâncias.
Para ele, faltou orientação familiar. "Eu não tive educação. Foi o mundo que me deu a educação que tenho hoje. Não foi bom", reconhece. "A dependência deixa você sem caráter, sem educação, sem nada", completou.
Mas o discurso "quero sair, mas não consigo", comum entre os usuários de drogas, não convence mais, salientou. "O pessoal que tem problemas sempre culpa alguém pelo seu fracasso. Não! O culpado sou eu e tenho que assumir o que fiz", declarou.
Hoje, o aposentado sabe que o futuro reflete as escolhas feitas no presente e que a vida, para ser bela, depende de cada um de nós. "Eu tive a informação de que, se eu quisesse, poderia mudar de vida", destacou. "Ninguém faz você parar de beber ou usar. Você só vai parar se mudar de comportamento", finalizou.
Mas há um problema, talvez o mais grave. Na opinião deste senhor, a culpa maior tem nome: corrupção. "Enquanto houver, haverá boca de fumo".