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Capital

Sem exames de sangue, médicos tratam pacientes do SUS ‘no escuro’

Problema tem de ser resolvido antes do início da epidemia de dengue ou ‘vai ser uma catástrofe’, alerta profissional

Anahi Zurutuza | 29/11/2016 07:15
Recepção da UPA do Leblon, uma das unidades mais procuradas pelos pacientes do SUS, lotada; consultas são feitas normalmente, mas quem precisa de exames de sangue não consegue (Foto: Alcides Neto/Arquivo)
Recepção da UPA do Leblon, uma das unidades mais procuradas pelos pacientes do SUS, lotada; consultas são feitas normalmente, mas quem precisa de exames de sangue não consegue (Foto: Alcides Neto/Arquivo)
Fachada do Labcem (Foto: Marina Pacheco/Arquivo)
Fachada do Labcem (Foto: Marina Pacheco/Arquivo)

Há pelo menos um mês, quem recorre aos postos de saúde de Campo Grande não consegue diagnóstico e tratamento completo pelo SUS (Sistema Único de Saúde) por causa da falta de exames de sangue. Nas unidades, não há material para a coleta e no Labcem (Laboratório Central Municipal), faltam os reagentes necessários para os testes.

Além da revolta dos pacientes que nem peregrinando de posto em posto conseguem atendimento, diante da epidemia anunciada de dengue, a situação preocupa médicos que atuam na rede municipal.

“Não tem como tratar um paciente com dengue sem fazer o hemograma. Ainda bem que nesta época do ano cai um pouco a incidência. Mas, isso é um problema seríssimo e tem de ser resolvido o quanto antes, ou vai ser uma catástrofe”, alertou um dos profissionais plantonistas das unidades de saúde da Capital.

O médico, que trabalha há 20 anos na rede e pediu para ter a identidade preservada, afirma nunca ter passado por tantas dificuldades para socorrer as pessoas que ele atende. “Já aconteceram situações difíceis, mas com esta intensidade de agora nunca vi. Não há condições mínimas para o atendimento da população”.

Pacientes com dengue fazem hemogramas quase que diariamente, para que o médico verifique o nível das plaquetas – responsável pela coagulação sanguínea – e identifique se há evolução para a forma hemorrágica da doença.

“Quando recebemos um paciente infartado temos de fazer exames o mais rápido possível para medir algumas enzimas e outras taxas no sangue. A gente até consegue fazer, mas tem de fazer solicitação direta para o laboratório e há uma certa demora”, diz o entrevistado, dando outro o exemplo.

UBS do Nova Bahia; nesta e em nenhuma das unidades do bairro há material para coleta de sangue, segundo paciente (Foto: Alcides Neto/Arquivo)
UBS do Nova Bahia; nesta e em nenhuma das unidades do bairro há material para coleta de sangue, segundo paciente (Foto: Alcides Neto/Arquivo)

Sem providências – A estudante Maria Eduarda Livramento Espíndola, 19, procurou o CTA (Centro de Triagem e Aconselhamento) e o CRS (Centro Regional de Saúde) do Nova Bahia para exames de rotina nesta segunda-feira (28), mas não conseguiu atendimento. “No CTA me disseram para procurar outro local. Fui no posto do Nova Bahia e lá, me disseram que a rede SUS não estava fazendo estes exames, que eu deveria procurar um laboratório particular. Fiquei muito irritada”, relatou.

Não é de hoje, entretanto, que pacientes têm ficado na mão. No dia 20 do mês passado, a jornalista Fabíola Magalhães Camilo, 32, tenta conseguir um hemograma para a mãe, Maria José Magalhães Camilo, 60. “Minha mãe passou mal naquele dia, estava com muita dor de cabeça. Chegamos no CRS da Coophavilla 2 e a pressão dela estava 19,12. No dia seguinte, a dor continuava e então eu a levei na UPA [Unidade de Pronto Atendimento] da Vila Almeida, onde a médica pediu exames de sangue e urina. Ela só fez o de urina”.

A jornalista conta que já era 1h30 da manhã, mas decidiu levar a mãe de volta ao CRS da Coophavilla para coleta o sangue. “Foi lá que me disseram que não ia dar para fazer esse exame em lugar nenhum porque estavam faltando os tubetes para a coleta em toda a rede. É um absurdo isso. Minha mãe está sem atendimento até hoje, deram medicação, mas não sabem a origem dessa dor de cabeça”.

A reportagem recebeu nos últimos dias denúncias uma criança com dengue que não está sendo monitorada por hemogramas e outra com suspeita de meningite, que não conseguiu fazer exames de sangue.

Outro lado – Todos os casos foram repassados para a Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública) que, por meio da assessoria de imprensa, negou que exames de sangue não estejam sendo feitos nos postos de saúde. Os testes para pacientes com “classificação de risco vermelho e amarelo estão sendo realizados, inclusive no caso de ‘diagnóstico’ de dengue”, informou a nota da prefeitura.

No início do mês, quando a reportagem denunciou que o Labcem estava restringindo os atendimentos, o secretário municipal de saúde, Ivandro Correa Fonseca, enviou comunicado oficial justificando que a dificuldade para fazer os exames se dava por conta de dois fatores: a falta de planejamento da administração anterior (Gilmar Olarte) e o excesso de pacientes do interior que são atendidos na Capital.

“Na retomada da administração democraticamente eleita, em 26 de agosto de 2015, não havia processo licitatório para a compra desse [tubetes] e de outros materiais, bem como de diversos medicamentos. Com a retomada da gestão Alcides Bernal, naquela data, os processos licitatórios tiveram início e os estoques de diversos itens foram completados”, afirmou o secretário em nota.

A Sesau informou ainda que “a falta de medicamentos e produtos deriva, em grande parte, pelo fato de a compra ser feita baseada na população do município [pouco mais de 853 mil habitantes, segundo o IBGE]”. Contudo, na Capital, existem ao menos 1,5 milhão de cartões do SUS, de acordo com a secretaria.

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