Do catolicismo ao Candomblé, peculiaridades diferenciam Finados entre religiões
A movimentação dentro e fora dos cemitérios já anuncia de longe que hoje é Dia de Finados. Entre flores, velas e rezas, as mais diversas crenças celebram de forma peculiar o dia de relembrar os já falecidos. O Campo Grande News foi de perto, observar de católicos a iniciados no Candomblé, como cada doutrina comemora a data na Capital.
Um dia antes do Finados, seguindo a tradição da família, as irmãs Docelina Santana e Maria Helena Santana já estavam preparando o cantinho em que os pais estão enterrados no cemitério Cruzeiro, para a data.
As duas lavavam o mausoleu para que hoje os outros nove irmãos viessem prestar as homenagens. Todo o ano, os filhos se reúnem, rezam o terço, acendem velas e colocam flores, assim como manda a tradição.
O costume com raízes no catolicismo, foi passado de pai para filho. A família sempre foi Católica, as filhas viam a mãe indo visitar o túmulo do marido, coisa que passou adiante, assim como recebeu dos pais.
Dentro do tradicional rito de homenagem, o que chama atenção das irmãs é ver que o que foi passado de geração em geração vem perdendo força. "Está diminuindo o número de pessoas que vão no Dia de Finados visitar os parentes, na época de jovem, era comum ver os pais ensinando isso para os filhos, um carinho importante, mesmo por quem já morreu", defendem.
Ainda de acordo com Maria Helena, hoje o que se vê são poucas pessoas e só aquelas mais velhas. "Não é que já morreu que você vai deixar de visitar e o dia é importante pela correria que é a vida, ajuda a parar e pensar, rezar pela pessoa no dia destinado à ela", acrescenta.
Ao contrário dos católicos, no Candomblé até o clima fúnebre é deixado para trás. A data é mesmo de comemoração e dentro da Casa da própria religião, dispensando a ida ao cemitério. Entre cânticos, danças e a preparação dos pratos ritualísticos, os iniciados na religião veem o feriado como momento de reverenciar os antepassados.
"É muito difícil a gente ir ao cemitério, é um dia mais intimista, até o nosso luto é branco e não preto", explica a Iyalorisa, que significa popularmente Mãe de Santo, Zila Dutra.
Nesta quarta-feira o que se vê na casa Ilè Dará Agan Oyá Asé Elegbara Omodé, na Capital, é a preparação de uma verdadeira festa. Gente por todo canto que começa a chegar por volta das 10 da manhã, e fica até à noite, quando começa o ritual de reverenciar os ancestrais. Durante hoje, os iniciados no Candomblé não fazem sexo e não bebem, em forma de respeito.
Na oferenda entram comidas baseadas na culinária baiana, chamadas ritualísticas e algumas bebidas.
Diferentemente do que virou hábito durante o feriado, de viagens e descanso, a Mãe de Santo e o Baba Iyalorisa Lucas Junot, mais conhecido como Pai de Santo, deixaram de lado uma programação em nome da reverência a que se deve o dia.
"Nós até íamos viajar, mas não vamos porque temos esse compromisso. A gente abre mão, nos privamos do feriado para fazer homenagens", explicam. Hoje eles esperam em torno de 35 pessoas em uma cerimônia que apesar de coletiva, será em tom "intimista".
A ligação com o corpo sepultado nos cemitérios é um mero detalhe perto de toda questão. "A nossa lembrança não está ligada ao corpo, mas ao espírito", afirma a Mãe Zilá.
Os preparativos e a cerimônia tomam a agenda do dia do dois, que são mãe e filho. "Não adianta ir ao cemitério, levar flor e chorar por 10 minutos, é uma dia bem mais delicado", coloca a Mãe de Santo.
A Umbanda, que tem um pé nas religiões africanas misturado à influência do Catolicismo, passa a data indo aos cemitérios. Segundo a Mãe Marlem da Conceição Francisco, o dia das almas é sagrado e deve ser comemorado com alegria e não tristeza. "A morte nada mais é do que libertar a alma para um novo mundo", ressalta.
As idas, segunda ela, são frequentes e não só neste dia.
Marlem foi criada vendo acompanhando visitas e homenagens em cemitérios, filha de um coveiro e uma zeladora do Santo Antônio, ela relembra que ia até túmulos com um respeito muito maior do que o observado hoje, durante o Dia de Finados. "A frequência de ir, o cuidado com o túmulo, isso ainda existe só que muito pouco, ficou muito leviano. Não tem mais aquele cuidado, aquele carinho, até mesmo pela correria do dia-a-dia que se faz presente", coloca.
Mãe Marlem explica que o dia é importante para todo mundo e aos seguidores da Umbanda também, por ser regido no campo do Cruzeiro de Omulu, que no Catolicismo significa São Lázaro, que ressuscitou e Inhasan que sincretiza Santa Bárbara, regente da alma do cemitério.
A comemoração mesmo fica para outra data, no dia de Omulu. Mas a cada "filho" cabe fazer a própria oração e a visita ao túmulo dos já falecidos. "É o meio de ele se aproximar se houver alguma dívida da vida carnal, receber perdão e ser amparado por laços especiais", diz.
Para os budistas, a data não significa ir necessariamente ao cemitério, já que a religião prega que a forma mais adequada de armazenar os restos mortais é pela cremação. Quem explica é o administrador de empresas Marco Matsubara. "Depositar em uma urna é mais agradável. O cemitério é um conceito ocidental", diz.
A questão da lembrança dos mortos acontece em casa mesmo, ou então em uma cerimônia denominada "Shokô", com rezas e uso de incenso na sede do Budismo na Capital. "A gente ora em prol da pessoa falecida, oferece orações à ela pelo próprio renascimento".
Seguindo a doutrina, Marco até já tem onde depositar sua própria urna depois de falecido. "É uma questão de opção pessoal, no meu caso já tenho uma urna no Palácio Memorial em São Paulo, é uma forma mais respeitosa de preservar", detalha ele que só tem 40 anos.
Difícil, mas não impossível é ver espíritas frequentando o cemitério em Dia de Finados. "A gente guarda e respeita como um dia de saudade, lembrar do ente que já partiu. Não tem símbolo, imagens, rituais, velas, nada disso", diz a presidente da Federação Espírita de Mato Grosso do Sul, Maria Túlia Bertoni.
Para quem quiser ir não tem problema nenhum, mas na realidade o que se comemora segundo a doutrina é a vida e não a morte. "A terra é uma escola, um pedaço transitório. Um dia a alma vai deixar esse corpo e retonar ao mundo espiritual. A gente sente a perda, mas sabe que é passageiro", comenta Maria Túlia.
Desde esta terça-feira, os espíritas entraram em uma semana de palestras em comemoração à vida, com ensinamentos que veem mostrar que a morte não existe.
Já as igrejas evangélicas se mantém ainda mais afastadas da data em reverência aos mortos. Seguidor da Igreja Universal, José Divino é pastor e diz seguir o que está escrito na Bíblia.
"Deve-se buscar a comunhão com Deus em vida. Não tenho costume de ir ao cemitério, rezar e fazer missa aos mortos porque a gente acredita que não existe purgatório", diz.
Segundo a religião, o homem morre apenas uma vez e depois segue para o juízo final. "Se tiver que acertar alguma coisa é em vida, depois de morto não há o que fazer, não tem comunicação.
O que existe é que vamos conservar a memória das pessoas, o amor o respeito que elas deixaram, mas não indo ao cemitério, ali só estão os restos mortais", acredita José Divino.
Para os evangélicos, a Bíblia não recomenda nenhum tipo de celebração aos mortos.
Os muçulmanos seguem uma linha bem próxima, não comemoram outras datas além do final do jejum no período de Ramadã e a peregrinação à Meca.
"O Islamismo não comemora o dia de Finados, a gente acredita que no juízo final o homem vai responder por tudo o que praticou. Tudo o que se faz deve ser com olhos no Paraíso e devemos buscá-lo através das nossas ações", conta a dentista Badr Abu Ghadara.
Ela ainda coloca que o muçulmano pode ir ao cemitério quando quiser, não precisa seguir uma data e hora específica. "Muitas famílias vão, mas não que seja obrigado. Qualquer dia que se for ao cemitério sempre deve se fazer uma oração, embora isso não seja considerado um ritual", contextualiza.