Projeto quebra ciclo de violência e implanta o diálogo entre estudantes
Há dois anos a morte da estudante Luana Vieira Gregório, então com 15 anos, chocou a Capital, em especial a comunidade escolar, já que o crime, praticado por uma colega de 16 anos, aconteceu em frente a escola onde as duas estudavam, na Vila Bordon.
A briga, que culminou com a morte da estudante, foi devido a um perfume que ela usava e teria causado alergia na rival.
Quase dois anos após o ocorrido, outro crime, em março deste ano, voltou a abalar o meio estudantil com a morte da aluna Luana Vilella, de 16 anos. Ela foi esfaqueada por uma colega de escola no terminal Nova Bahia, também por motivo fútil.
As duas ocorrências trouxera à tona, discussões sobre o modelo educacional aplicado aos jovens tanto nos núcleos familiares quanto na própria escola. No calor da discussão, grande parte da opinião popular defendeu punições severas e até a prisão das jovens dentro dos parâmetros aplicados aos maiores de idade.
No entanto, pouco se discute sobre métodos e ações que evitem que uma simples discussão termine em tragédia.
Para reverter esse quadro de violência escolar e mudar a visão da sociedade quanto às punições adotadas, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, em parceria com a secretaria de Estado de Educação, vem atuando, há dois anos, em escolas da rede pública da Capital com a proposta de disseminar a conciliação como principal ferramenta na solução de conflitos através do Programa de Atendimento da Justiça Restaurativa Escolar, da Coordenadoria da Infância e Juventude.
Nesta sexta-feira (2), Dia Internacional da Não Violência, a equipe desenvolveu uma dinâmica com cerca de 100 alunos do 8º e 9º anos da escola estadual João Carlos Flores, no Bairro Rita Vieira.
A data foi instaurada pela Organização das Nações Unidas em homenagem ao pacifista Mahatma Gandhi, nascido nesse dia no ano de 1869, na Índia. Gandhi foi um dos maiores líderes mundiais e pregava a filosofia da não violência como forma de lutar pela independência do seu país da dominação inglesa.
Baseada nesse princípio, a Justiça Restaurativa na Escola é uma forma alternativa do sistema tradicional de Justiça e visa prevenir a violência e a criminalidade nas relações do contexto escolar, por meio de resolução de conflitos de forma construtiva e pacífica.
De acordo com a psicóloga gestora do projeto, Valquíria Rédua, a proposta é evitar que as brigas se tornem uma regra no momento de resolver um conflito com um colega da escola. “Queremos sensibilizar a sociedade para esse novo modelo e mostrar para o adolescente que, a partir dos 12 anos, se ele cometer um crime, já pode responder por ele”, diz.
A ideia é que a Justiça Restaurativa quebre o ciclo de violência, recuperando adolescentes para o convívio social e escolar. O plano é ampliar o projeto, que hoje conta com cinco facilitadores entre psicólogos, assistente social e advogado, para o interior. No momento ele atende a 16 escolas da Capital, totalizando cerca de 15 mil estudantes.
Só no primeiro semestre foram realizadas 164 ações, envolvendo 2.776 alunos. Já os diálogos restauradores, dinâmica utilizada com alunos que se envolveram em conflitos graves, atingiu 2.285 estudantes.
Pelo menos uma vez por semana o projeto visita as escolas participantes, mas sempre no dia 2 de outubro, uma escola é selecionada para receber uma dinâmica especial. A atividade escolhida foi a batizada de Teia do Relacionamento, onde os alunos, divididos em grupos, formaram um círculo.
Coordenada pelos agentes do projeto, a atividade consiste em jogar um rolo de barbante entre os participantes que, conforme pegam o objeto, se identificam no grupo e falam sobre alguma característica pessoal, como, por exemplo, um alimento preferido. No final da dinâmica, uma grande teia é formada com o fio e o coordenador amarra uma caneta em um dos pontos da teia. O objetivo é encaixar a caneta em uma garrafa e, para isso, todos precisam trabalhar juntos.
"A ideia é mostrar que dependemos uns dos outros na sociedade. Além disso, a atividade ajuda a aproximação de colegas de classe diferentes, que não tem relacionamento", explica Valquíria.
No entanto, antes da tarefa, os alunos sentam em círculo para conhecer sobre o trabalho da Justiça Restaurativa Escolar, que além das dinâmicas, também trabalha a cultura de paz através de palestras que incluem os pais dos alunos. "Gostaríamos que a participação da família fosse maior, mas já é um importante passo", ressalta a psicóloga.
Ela revela que, quando a escola registra algum conflito grave, que envolva, inclusive violência física, os participantes do projeto convidam os envolvidos na ocorrência a participar de um procedimento restaurativo, onde debatem os motivos da agressão e são incentivados a buscar uma solução de forma pacífica.
Para a psicóloga, o método não significa isentar o aluno de arcar com seus atos, apenas busca ressaltar que as punições graves não surtem efeito, já que podem criar mais revolta ao aluno. "A imposição de limites é necessária, tanto em casa quanto na escola. Ele precisa saber que há momento para tudo, inclusive para utilizar o celular e que qualquer ação violenta vai gerar consequências", pondera.
O aluno Leonardo Felipe do Nascimento, 16, entendeu a mensagem e sugere, inclusive, que advertências sejam mantidas e até mesmo suspensões aos que não colaboram com a busca da conciliação. Ele admite que a prática de bullyng é um dos principais problemas do ambiente escolar e costuma acontecer quando um aluno novo chega a escola.
"Essa atividade de hoje foi importante porque conheci algumas pessoas que mal cumprimentava. Quando a gente conhece melhor uma pessoa, acaba evitando brigar com ela porque ela acaba tornando sua colega", diz.
Colega de Leonardo, Vitória Arantes, 15, também concorda e diz que já presenciou na escola anterior, uma briga onde uma aluna feriu a colega com um canivete. Na sua opinião, muitos pais incentivam a violência como forma de defesa do filho. "Nós não podemos pensar assim. Temos que buscar o diálogo para evitar que brigas terminem em morte", destaca.
Comprometimento - A diretora substituta da escola João Carlos Flores, Sonely da Costa, conta que o projeto começou ainda este semestre, mas já pode observar mudanças na forma como os estudantes abordam a questão da violência. Ela conta que nos últimos quatro anos nunca foi registrada uma ocorrência grave relacionada a briga entre alunos, mas antes desse período o cenário era diferente.
Para mudar a atitude dos estudantes, a gestão do colégio passou a criar festas e atividades que buscam uma participação maior da família na vida escolar do filho. Um dos exemplos é a Festa da Família, onde são desenvolvidas palestras, teatros e ações que levam os pais ao ambiente escolar.
"Infelizmente muitos ainda precisam ser convocados. A falta de interesse pela vida escolar do filho desperta um sentimento de rejeição, que pode ser canalizado em alguma briga", afirma a diretora. Ela lembra de uma mãe que foi levar o boletim do filho e, ao ser convidada a conversar sobre a criança, preferiu ir embora. "Sem o comprometimento de todas as partes fica difícil mudar a cultura da violência para a do diálogo", lamenta.
No entanto, ela faz um balanço positivo das ações desenvolvidas na escola e prefere apostar em um trabalho a longo prazo do que defender a adoção de policiais dentro da escola, como alguns gestores defendem. "Essa prática causa um constrangimento porque escola não é presídio. Temos que intensificar o diálogo com os alunos", diz.
Livrar totalmente o ambiente escolar de conflitos é impossível, mas para Sonely e Valquíria, acompanhar a evolução social e abordar questões relacionadas a realidade da comunidade, levando os próprios alunos a refletir sobre suas ações, são atitudes que levam o aluno a refletir antes de tomar uma decisão violenta. "A maioria das brigas que eventualmente surgem vem sendo controladas por eles mesmos", ressalta Sonely.
No entanto, a diretora considera fundamental realizar mais ações exclusivas às famílias. "Os núcleos familiares estão mudando muito e é importante lembrar que, mesmo separados, os pais precisam continuar oferecendo segurança a criança, caso contrário isso pode refletir em suas ações na escola", destaca.
Já a gestora do projeto acredita que é importante acompanhar a rápida evolução social, inclusive os avanços tecnológicos e diz que a falta de informação de alguns pais acaba gerando os pedidos de castigos. "Ao invés de conversar, eles preferem deixar o adolescente preso, sendo que nós queremos justamente prevenir a criminalização", diz.