Compradas na rua, poltronas do Alhambra recepcionam pacientes em clínica
São 40 poltronas divididas em três fileiras. À frente delas, não está a telona que compunha o antigo Cine Alhambra, mas sim uma televisão. No bairro Chácara Cachoeira, em Campo Grande, uma médica resolveu trazer um pouco da paixão pelo cinema antigo para dentro do consultório. De espectadores para pacientes, hoje quem senta nas cadeiras são clientes da clínica de Medicina do Trabalho.
O Cine-teatro Alhambra funcionava na Avenida Afonso Pena e era um dos principais cinemas de Campo Grande à época. Construído em 1936 e inaugurado no ano seguinte pelo comerciante Karim Bacha, o projeto que fez a arquitetura art déco era do alemão Frederico Urlass.
As poltronas totalizavam 1,7 mil lugares, fazendo do Alhambra um dos maiores cinemas da região. E foi parte desses assentos que a médica Vitória Régia Carvalho, encontrou à venda, cerca de cinco anos atrás, no canteiro da Avenida Mato Grosso, próximo da Via Parque.
"Comprei porque eu gostei, me apaixonei. Deixei 12, devia ter comprado todas, me arrependi. Tem 30 anos que fechou...", conta Vitória. Mineira de nascença, há duas décadas ela mora em Campo Grande, mas só conheceu o Alhambra pelas histórias que chegam de quem reconhece as poltronas.
"Tem um médico que trabalha aqui que contou que quando o mocinho ganhava no filme, era a maior barulheira. Eles batiam com os pés e as mãos, era tudo de madeira, tremia o Alhambra", reproduz. Nas paredes, ela quer seguir a temática de cinema e a cada viagem que faz fora, traz posters de filmes antigos ou até mesmo revistas de cinema de anos passados.
"Eu ainda quero colocar uma lambreta aqui e também fazer um filme mesmo, de película, um painel na parede", sinaliza. A decoração era para trazer aos pacientes um pouquinho da magia que ela sente ao entrar num cinema. "Queria passar uma ideia legal para eles, me deu vontade", explica.
Quem aguarda na recepção está à espera de fazer exames admissionais, demissionais ou periódicos. E ali mesmo, quem reconhece, fotografa, filma e registra na memória. À época, as cadeiras eram vendidas por trio e Vitória se recorda de ter pago aproximadamente R$ 50,00 por três.
"Eu aumentei só o pezinho delas e sabe que quando o marceneiro foi furar, ele quebrou três brocas? De tão dura que é a madeira", completa. O tempo desgastou parte dos assentos que são reclináveis até hoje. O conforto das cadeiras remete quem senta ali a querer ver um clássico do cinema.
"Se fosse uma sala de qualquer outro lugar, uma boutique... Mas é curioso estar numa clínica, não é? As pessoas acham que porque é um consultório médico, mas aqui é tudo muito informal", brinca Vitória. No fim das contas, o que a médica gostaria de saber era onde estavam, antes de irem para a rua, as poltronas.
"Se o Alhambra não deu certo, pelo menos as cadeiras deram".