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Artes

Aos 82 anos ele ainda sobe aos palcos para levar teatro às crianças

Paula Maciulevicius | 03/10/2013 07:25
O rosto de Ilo Krugli traz as rugas de quem tanto sorriu, as mãos envelhecidas de quem pela arte arrancou aplausos ao teatro brasileiro. (Foto: João Garrigó)
O rosto de Ilo Krugli traz as rugas de quem tanto sorriu, as mãos envelhecidas de quem pela arte arrancou aplausos ao teatro brasileiro. (Foto: João Garrigó)

Aos 82 anos, ele ainda é, firme e forte, “o” protagonista do teatro infantil brasileiro. As últimas quatro décadas foram dedicadas a fazer com que panos, papeis de jornal, bonecos, lenços e latões ganhassem e transmitissem vida ao público com um mesmo espetáculo, “Histórias de Lenços e Ventos”.

As cortinas se abrem para o ator, diretor, artista plástico, escritor e mestre da dramaturgia, Ilo Krugli, que se apresenta hoje e amanhã com a companhia Ventoforte, pelo Palco Giratório no Teatro Prosa do Sesc Horto, em Campo Grande.

A idade chegou até para ele que sempre foi criança. O andar é devagar, com auxílio de uma bengala. O rosto traz as rugas de quem tanto sorriu, as mãos envelhecidas de quem pela arte arrancou aplausos ao teatro brasileiro.

Argentino, naturalizado brasileiro, depois de mais de 50 anos tendo o Brasil como residência, ele ainda carrega um sotaque do lado de lá. O teatro entrou na vida de Ilo, ou seria a vida quem cruzou o caminho dos palcos? A ordem não altera o resultado de mais de 70 anos dedicados à paixão de atuar e se permitir incorporar personagens. Os primeiros movimentos com bonecos, centro e dimensão do trabalho dele, vieram aos 8 anos de idade, passados ainda pela professora primária.

Em cena, ele chega a Campo Grande com a peça “Histórias de Lenços e Ventos”, considerada o divisor de águas no teatro infantil brasileiro, pela linguagem e temática. O espetáculo que em fevereiro completa 40 anos resistiu até mesmo à censura, o primeiro público a ver cada apresentação nos anos que sucederam ao golpe militar.

Em cena, ele chega a Campo Grande com a peça “Histórias de Lenços e Ventos”, considerada o divisor de águas no teatro infantil brasileiro, pela linguagem e temática. (Fotos: Arquivo/Ventoforte)
Em cena, ele chega a Campo Grande com a peça “Histórias de Lenços e Ventos”, considerada o divisor de águas no teatro infantil brasileiro, pela linguagem e temática. (Fotos: Arquivo/Ventoforte)

A apresentação é praticamente a mesma desde o início. Houve poucas alterações cá e lá, fruto mesmo da criatividade em cena. A narrativa mostra a figura centrada de Ilo militante. O espetáculo traz ao palco símbolos da busca pela liberdade de expressão, animados por lenços, panos, papéis, metais e uma página de jornal. Elementos reprimidos à época.

Os personagens contam a história de Azulzinha, um lenço azul num quintal que se deixa levar pelo vento e acaba presa por soldados. Papel vai à sua procura, não consegue entrar no castelo medieval e é queimado. Todos os lenços que esvoaçam pelos quintais acabam presos. Mas é junto do público que os atores recriam Papel com um coração de metal, que luta e liberta Azulzinha e os 300 lenços que estão em cena. A arte levando a vida para os palcos, uma alusão ao momento em que todo um País vivia o medo de falar e tinha um povo que estava preso de alguma forma.

E pensar que a complexidade do tema é voltada ao público infantil. Está na peça a razão e o motivo de ter se tornado um marco para a dramaturgia brasileira. “Tem uma corrente que coloca o diminutivo, a criancinha. A criança não é criancinha é um ser vivo que dentro de casa não tem linguagem especial, ele convive com pai e mãe e está ingressando no mundo. Então só fazer o diminutivo pode ser limitador”, explica.

O espetáculo é coletivo e coloca em cena temas como o Muro de Berlim. “Eu sustento que não é tudo que tem que ser uma charada, mas em qualquer lugar, o que a gente fala, elas perguntam ‘pai, o que é Muro de Berlim?’ E eu gosto quando a criança sai e pergunta”.

No palco, lenços, panos, papéis, metais viram personagens.
No palco, lenços, panos, papéis, metais viram personagens.

Questionado do por que o teatro para a criança, o precursor da arte no Brasil explica que é por ele estar presente nos pequenos desde cedo. “Quando começa a engatinhar, a criança está fazendo o teatro. Ela brinca com o imaginário, pega um telefone e ainda que ele vá servir como telefone mesmo, a imaginação dela está criando. O teatro tem esse encantamento, ele entra no imaginário e a criança celebra e gosta muito”.

Palco Giratório – Com o projeto do Sesc, Ilo e a companhia Ventoforte viajam por todo País levando a cultura popular nas apresentações e ainda ministrando oficinas. Aqui, foram dois dias de ensinamentos e um público que se resumiu a cinco atores da Casa de Ensaio. Reflexo da etapa cultural em que se vive, percebida e amargada pelo mestre.

“Eu te diria que estamos vivendo uma etapa não das mais felizes. Porque a TV obedece a programação de mercado. Os espetáculos, as novelas são acompanhadas de publicidade, que só vendem produtos, a própria novela é decorrente de um produto, enquanto no teatro estamos acostumados a muitas vezes, o público subir no palco, chegar perto dos atores e perguntar ‘é de verdade?’”

Entre as capitais do País, Ilo só não conheceu ainda Belém do Pará. Mas no geral, o público tanto das oficinas, como das apresentações, nem sempre enche o teatro. Ele tem um forte e indiscutível argumento, tudo depende da divulgação e do foco dos divulgadores. “Os meios de comunicação estão ocupados com a arte de mercado e nós não somos teatros de mercado”.

E diante deste contexto, o Lado B Ilo também fala da dificuldade de viver do teatro, da arte e da cultura. A resposta, não é novidade. “É complicado. Estamos vindo de um festival e viajando o País através do Palco Giratório, então tem alguns projetos que contribuem, mas é difícil”.

Entre todos os personagens que construíram o mestre, a gente se pergunta se aos 82 anos ainda é possível subir ao palco com a mesma vivacidade de um iniciante, ter na memória e na ponta da língua os textos. A resposta é digna de quem merece aplausos em pé.

“O teatro exige todos os dias. Eu não sei até quando vou ficar, mas acaba um espetáculo e no outro dia vamos voltar a fazer tudo de novo e isso é muito bonito. Eu estou dentro, escrevo textos, canções, faço personagens. Nós não decoramos especificamente, vamos construindo personagens na gente. Estamos frente ao público e ao mesmo tempo representando”.

Apresentação Gratuita - Nesta quinta será apresentada a peça “Histórias de Lenços e Ventos”, às 18h30. Amanhã é a vez do espetáculo “As 4 Chaves”, também às 18h30. As apresentações acontecem no Teatro Prosa do Sesc Horto, de graça.

As apresentações acontecem no Teatro Prosa do Sesc Horto, de graça.
As apresentações acontecem no Teatro Prosa do Sesc Horto, de graça.
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