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Artes

Na literatura, música e dança, professora Glorinha se despede deixando história

Paula Maciulevicius | 28/07/2016 22:10
Glorinha com o amigo, radialista e jornalista, Ciro de OIiveira. (Foto: Arquivo Pessoal)
Glorinha com o amigo, radialista e jornalista, Ciro de OIiveira. (Foto: Arquivo Pessoal)

Foram 88 anos de uma vida, a maioria deles dedicados às artes. Maria da Glória de Sá Rosa atuou tantos nos palcos quanto nos bastidores de toda produção cultural do Estado, desde quando Mato Grosso era um só. Foi ela quem despertou grandes talentos e anos depois, escreveu sobre eles. 

Professora, escritora, mestre. Nascida em Mombaça, no Ceará, no dia 4 de novembro de 1927, foi na noite de hoje (28) que ela se despediu dos três filhos, sete netos e uma legião de amigos e admiradores. 

Escritor, poeta e amigo, Américo Calheiros, de 60 anos, se recorda exatamente do primeiro contato que teve com Glorinha, aos 18. "Vim para Campo Grande estudar na antiga Fucmat, onde ela era professora de língua e literatura portuguesa. Eu a considero responsável por eu adentrar ao mundo da cultura", atribui Américo. 

Muito mais que professora, Glorinha à época, já realizava eventos como Semana de Letras, editava revistas de cultura da universidade e era a responsável pela realização dos festivais de teatro e música do Estado. "Ela quem incentivava, toda a vida cultural de Campo Grande e do Sul do Mato Grosso passava pelas mãos, pela mente e pelo dínamo da professora Maria da Glória de Sá Rosa", enfatiza Américo.

Glorinha durante entrega de troféu na presença do Presidente da FIFA João Havelange, em 1981. (Foto: Roberto Higa)
Glorinha durante entrega de troféu na presença do Presidente da FIFA João Havelange, em 1981. (Foto: Roberto Higa)

Glorinha ia além da sala de aula e foi assim que ensinou tanto a tantas pessoas, buscando tirar o melhor de cada aluno ou quem lhe cruzasse o caminho. "Ela sempre foi uma pessoa extremamente generosa com quem queria aprender e se dedicar à literatura, que era sua principal ferramenta de trabalho", descreve Américo. "A cultura no Estado se divide no antes e no depois de Glorinha. Isso ela sustentou em seus braços, em suas mãos, por mais de quatro décadas", completa.

E não foi só na escrita. Glorinha movimentou o campo das artes, do teatro, da dança e da música. Ainda buscando palavras, o jornalista e radialista Ciro de Oliveira, hoje com 66 anos, tenta descrever a perda e explicar o por que ninguém vai ocupar o vazio aberto em nossa história. "Não vai, ela era uma pessoa que se doava para os amigos, para as pessoas", resume.

O primeiro contato dos dois foi durante à época do Educação Rural, enquanto Glorinha lecionava na Fucmat. "Eu via as pessoas falaram dela, da educadora que ela era e eu já admirava essa pessoa desde os festivais de música no Surian, no Libanês, eu ia assistir e ela sempre apresentava", recorda Ciro.

Os dois vieram a ficar amigos na TV Morena. "Eu nunca tive faculdade, tive meus professores de vida, de dia a dia e ela foi minha professora, eu tinha o telefone da casa dela para qualquer dúvida até de pronúncia de palavras", conta.

A última vez em que se encontraram, dois anos atrás numa exposição da TV Educativa, Ciro fez questão de registrar. "Mas a gente sempre se falava por telefone e inclusive quando ela escreveu o livro sobre a música de Mato Grosso do Sul, tinha um capítulo dedicado a mim", relata o jornalista.

Secretário-geral da Academia Sul-mato-grossense de Letras, Rubenio Marcelo, disse ao Lado B que está acompanhando de perto desde a internação. "A professora Glorinha, além de uma amiga, fazia parte da nossa academia e tinha uma representatividade para a cultura do Estado, não só na literatura, como em todas as artes. Ela era inigualável, um ícone", resume.

O nome de Glorinha se confunde com a própria história cultural do Estado, contada e recontada por ela inúmeras vezes. Em 2014, ela abriu as portas de casa ao Lado B, para falar da morada que dividiu com o marido por 56 anos, até a morte dele em 2008.

As caixinhas de correio de Glorinha, um marco para quem repara nas delicadezas pela Antônio Maria Coelho. (Foto: Arquivo/Marcos Ermínio)
As caixinhas de correio de Glorinha, um marco para quem repara nas delicadezas pela Antônio Maria Coelho. (Foto: Arquivo/Marcos Ermínio)

Na Antônio Maria Coelho, desde a fachada o apartamento já se mostra gracioso, pelas cores das caixas de correio, com detalhes coloridos e figuras de dois galos, em azul e branco. Foi ali que Glorinha recebeu cartas por mais de seis décadas. 

Na decoração, havia presença de todos os artistas, de Ilton Silva, Conceição dos Bugres, a Humberto Espíndola e Jorapimo. Durante a visita, ela resumiu "Muita gente deu pitaco aqui". No entanto, o principal colaborador era o filho, José Carlos Ferreira Rosa, que das viagens sempre trazia alguma relíquia. 

Mas para Glorinha, o que mais tinha valor eram as fotos no porta-retrato. "Aproximam a minha família. Não tem preço", justificou ao Lado B, na data da entrevista. O canto preferido era a biblioteca, para onde ela levou duas bibliotecárias a catalogar obra por obra. 

Glorinha e o filho Zé Carlos, em entrevista ao Lado B, em 2014. (Foto: Arquivo/Marcelo Calazans)
Glorinha e o filho Zé Carlos, em entrevista ao Lado B, em 2014. (Foto: Arquivo/Marcelo Calazans)

Glorinha era professora aposentada da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), onde trabalhou durante 26 anos. No Centro de Ciências Humanas da referida Universidade, lecionou Literaturas de Língua Portuguesa e História da Arte. Publicou vários livros e centenas de artigos sobre cultura em jornais e revistas.

Formada em Línguas Neolatinas na PUC/RJ e diplomada em francês, fundou e dirigiu a Aliança Francesa de Campo grande. Fundou a Revista Estudos Universitários/FUCMAT, o Teatro Universitário Campo-grandense (TUC) e o Cine Clube de Campo Grande e dirigiu o projeto Prata da Casa, responsável por espetáculos de música ao vivo e pela edição de disco de músicas da região.

Foi secretária-adjunta da Secretaria de Desenvolvimento Social, diretora executiva da Fundação de Cultura, presidente do Conselho Estadual de Cultura, superintendente da Secretaria de Cultura e Esportes e presidente da Fundação de Cultura. 

Lecionou Língua Portuguesa, Literatura Brasileira, Teoria da Literatura e Prática de Ensino de Português, nas principais escolas superiores e secundárias, além dos idiomas Francês e Espanhol. 

Coordenou diversos festivais de teatro e música em Campo Grande e produziu os programas Intercomunicação na TV Morena e Mensagem ao Mundo Feminino na rádio Educação Rural. Foi agraciada com os títulos de "Cidadã de sua cidade" e recebeu a Medalha do seu "Centenário", conquistou a Medalha do "Mérito Legislativo", a da "Ordem do Mérito do Estado" e a de "Honra ao Mérito". Recebeu os títulos Doutora Honoris Causa pela UFMS e pela UCDB. 

Obras publicadas:
- Estudo sobre Guimarães Rosa – 1967;
- Análise Estrutural do Romance – 1971;
- O Romance brasileiro atual Realismo Mágico e Realismo Mimético – 1976;
- Análise Interpretativa do conto “Casa de Bronze” de João Guimarães Rosa – 1974;
- Memórias da Cultura e da Educação em Mato Grosso do Sul;
- Deus quer, o homem sonha, a cidade nasce - "Campo Grande Cem Anos de História”;
- Crônicas de Fim de Século - 2001;
- Contos de Hoje e Sempre - Tecendo Palavras;
- Artes Plásticas em Mato Grosso do Sul (em parceria com Idara Duncan e Yara Penteado);
- A Música de Mato Grosso do Sul, em parceria com Idara Duncan (FIC-MS, 2009);
- A Literatura Sul-Mato-Grossense na ótica de seus construtores - 2011 (em parceria com a escritora Albana Xavier Nogueira).

Glorinha ia além da sala de aula e foi assim que ensinou tanto a tantas pessoas. (Foto: Arquivo/Alcides Neto)
Glorinha ia além da sala de aula e foi assim que ensinou tanto a tantas pessoas. (Foto: Arquivo/Alcides Neto)
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