Campo Grande merece um grupo de teatro como o Circo do Mato
Você já deve ter visto alguns deles por aí, de pernas de pau, no meio da rua ou em eventos pela cidade. De propaganda à festa de 15 anos, o Circo do Mato aparece para ganhar dinheiro e viabilizar projetos que transformaram o grupo em um dos mais profissionais de Campo Grande.
A prova da organização começa pela qualidade do material que divulga as peças da trupe, criada para unir teatro e circo. As fotos são perfeitas, o layout da publicidade tem um cuidado difícil de se ver por aqui.
O figurino bem circense não aparece à toa nas montagens, é parte estudada, mais um conteúdo em cena. Para chegar ao palco, o estudo começa a partir do nada, apenas da decisão de procurar um novo tema a ser apresentado ao público, no teatro ou nas ruas.
Uma da regras é “não reclamar” da vida de artista. “Primeiro tivemos de aprender que não dá para ficar com esse discurso de que não dá dinheiro. Temos de parar com essas histórias e trabalhar”, ensina o ator Mauro Guimarães.
Agora, por exemplo, eles pensam em um novo espetáculo e para um bom resultado, fazem estudos, três vezes por semana. “A gente se reúne para estudar, das 7h30 às 11h30, para discutir teatro, sem nada pré-estabelecido. Deixamos qualquer outro assunto de lado nesses dias, não falamos de burocracia, por exemplo”, diz a atriz Aline Duenha.
A loirinha do grupo já morou no Rio de Janeiro para faculdade de Artes Cênicas e por lá encontrou Mauro, na Escola Nacional de Circo. Os dois retornaram a Mato Grosso do Sul e ao lado de Yago Garcia e Laila Pulchério, formam há 8 anos o Circo do Mato.
Aline, Mauro e Yago interpretam, fazem direção coletiva e também auxiliam na elaboração de projetos para fundos de incentivo à cultura. Laila administra e ajuda na parte técnica da cena.
No camarim do teatro Aracy Ballabanian, durante a Mostra Boca de Cena, sábado, na preparação para Os Corcundas entrarem em cena, Aline e Mauro se transformam em bufões que diante do público vão sofrer, fazer rir e se apaixonar. São dois feios e um amor puro.
A dedicação aos personagens no palco comove, a técnica e a arte já não preocupam. O que ainda perturba é a platéia. “Percebemos que são sempre as mesmas pessoas. A gente faz um trabalho de formação de platéia, mas sinto que não esta surtindo efeito”, comenta Aline.
“Vamos discutir isso porque é algo que incomoda todos os grupos. Hoje mesmo, tem gente que prefere pagar uma grana para ver o Tom Cavalcanti do que vir aqui conhecer”, reclama Mauro.
Começo - Primeiro eles queriam apenas uma charanga, como a que os palhaços exibem no circo. Mas o grupo conseguiu bem mais, um espaço para fazer teatro e também ensinar circo à comunidade, com investimento público que viabiliza aulas gratuitas para 30 estudantes em um galpão no bairro Sargento Amaral.
“A primeira vez que chegamos aqui a ideia era ter um imóvel só para guardar o nosso material. Era tão pequeno, que ali só cabiam as nossas coisas, a gente não cabia. Depois conseguimos alugar a casa ao lado e agora parece com o que a gente sempre quis”, lembra Aline.
E ainda sobra tempo para espalhar por aí apresentações de três peças: Os Corcundas, O Palhaço no ½ da Rua e Encruzilhada. Além do festival Pantalhaços, uma mostra sobre o principal personagem do circo para “semear, cultivar e ver florescer alegria”, resume o grupo.
A primeira edição foi “feita na raça”, ao lado do grupo Flor e Espinho. Mas agora, já na quarta mostra, há R$ 120 mil em patrocínio da Caixa Econômica e Funarte.
Nas últimas seleções abertas para projetos culturais, alguns pontos água mole conseguiram quebrar a pedra dura dos editais postos pelo governo, mais uma vitória do Circo do Mato.
Agora há verba específica para montagem e financiamento permanente, para manutenção dos grupos. “Foram coisas que a gente sempre defendeu e é uma vitória abrir os editais e ver que estão lá”, avalia Mauro.
Na última seleção do FIC (Fundo de Investimentos Culturais), o Circo do Mato também conseguiu recursos para rodar a fronteira de Mato Grosso do Sul com o Paraguai e a Bolívia, com o espetáculo o Palhaço no ½ da Rua, uma preocupação com municípios que não recebem o teatro com frequência.
E assim o Circo do Mato vai ensinando que Campo Grande merece a arte organizada.