No cruzamento mais movimentado da cidade, árvores ganham poesias
A árvore ganhou poesia na esquina da 14 de Julho com a Afonso Pena. Quem passa vê garrafas de plástico penduradas como frutas. É só escolher e retirar os poemas que estão dentro, para levar para casa ou ler ali mesmo, no vai e vem do cruzamento mais movimentado de Campo Grande.
Aposentado, Antônio Bombaird, de 79 anos, coloca o papel no bolso e segue. “Vou ler em casa, gosto mais do silêncio”, explica.
Lucas da Silva, de 16 anos, logo percebe a possibilidade e avisa o destino da matéria prima. “Vou fazer uma trabalho de escola com isso aqui”. O garoto conta que ontem mesmo escreveu um “grande” poema, sobre o amor. “Também foi a professora quem pediu”.
Ao lado, Lidiane Ribeiro lê outra das obras ali penduradas e comenta como aquela instalação serve de pausa para o cotidiano, “é bonito”.
O poeta Nelson Vieira é o responsável por abastecer o ambiente com palavras escritas, a cada poema retirado. “O que já repus de poesia aí nas garrafas...você nem imagina”.
Assistindo as reações das pessoas, os poetas lembram que só não entende poesia quem não quer. Delasnieve Daspet explica (é claro) essa relação com um poema.
“Que coisa é a vida, tudo deságua na mesma foz. Rios pequeninos que se encontram traçam caminhos, felizes ou não. Alguns secos – como solidão, outros turvos, como lágrima sofredora. Mas sempre nasce a flor”.
Ela organizou o varal de poesia nas árvores da avenida para aproximar. “Tem gente que olha desconfiada, acha que tem de pagar, mas todo mundo gosta. O livro é caro, o escritor é elitizado. Temos de fazer mais isso ”, comenta.
São 8 artistas na rua, em uma tarde de frases, sentimentos e rimas, como homenagem ao aniversário da cidade.
Na terra de Manoel de Barros, o dono do título de maior poeta vivo brasileiro, o mito parece incomodar. “Temos de desmistificar isso, de que aqui só existe o Manoel”, diz Nena Sarfi, professora aposentada de Língua Portuguesa.
Hoje ela ensina em oficinas como interpretar o trabalho de Manoel, “o que é lindíssimo”, mas quer também espaço para quem escreve e quem está por vir.
"Acho tudo tão maravilhoso. Ontem, por exemplo, estava em um pet shop e uma menininha olhou para mim e disse: ‘estou comendo lagartixas. ‘ Virei para a mãe dela e falei: isso é poesia”.
Conto a ela que minha filha de 5 anos costuma dizer que não fala ao mastigar chicletes porque as palavras "saem borradas". "Isso também é poesia", defende Nena.