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Comportamento

Com tanta tecnologia, a dificuldade é achar quem saiba escrever à mão

Elverson Cardozo | 04/01/2013 07:10
No cadernos dos repórteres, anotações são
incompreensíveis. (Foto: Rodrigo Pazinato)
No cadernos dos repórteres, anotações são incompreensíveis. (Foto: Rodrigo Pazinato)

Na escola, nas primeiras séries, eu era obrigado a escrever em cadernos de caligrafia. Foram muitos. A cobrança em casa era tanta que, às vezes, quando deixava de lado o capricho, tinha que reescrever tudo o que havia copiado no colégio. Virava castigo. Foi uma tortura, lembro bem, mas a letra, com o passar dos anos, ficou redondinha, legível, com o desenho de dar gosto. Não adiantou muita coisa. Virei jornalista.

De tanto anotar correndo em bloquinhos, tentando acompanhar o que dizem os entrevistados, voltei a escrever com garranchos vergonhosos, daqueles de dar medo. Outro dia, pensando no futuro, até tentei iniciar um curso on-line de taquigrafia, para transcrever frases de maneira mais rápida e com alfabeto adaptado, mas desisti depois de ver e avaliar a complexidade das apostilas.

A situação só piora com tempo e o principal vilão, no meu caso, é o computador. Mas tem o notebook, celular e outras parafernálias que facilitam o dia-a-dia. É tanta tecnologia que eu praticamente desaprendi a escrever com letra cursiva. Cansa.

Consegue entender? (Foto: Rodrigo Pazinato)
Consegue entender? (Foto: Rodrigo Pazinato)

Entre jornalistas a reclamação parece ser generalizada. Não tem um que eu conheça que não reclame da perda da habilidade. Na redação do Campo Grande News, por exemplo, dos 17 repórteres que compõem a equipe, mais da metade se queixa. Até a chefe.

“Quando eu escrevo, só eu e Deus entendemos. Depois, só Deus”, disse, certa vez, nossa editora, Marta Ferreira.

Não que seja regra, mas aqui, as mulheres, no geral, têm as letras mais bonitas. Os homens, coitados, disputam o primeiro lugar no ranking dos piores garranchos. Nicholas Vasconcelos, de 26 anos, não esconde que tem a letra feia, quase indecifrável, mas se defende.

“Se eu estou entrevistando algum político eu tenho que escrever alucinadamente, senão eu esqueço”, exemplificou.

Se for justa a comparação, Mariana Lopes, 26, uma das repórteres mais delicadas, tem uma das letras mais bonitas entre as mulheres. “Na rua eu me esforço para ficar bonitinha”, contou, ao revelar que também já fez caligrafia, mas, ainda assim, os cadernos de redação guardam frases incompreensíveis.

E não é só na rua, no trabalho de um repórter, que a dificuldade fica evidente. Acadêmica de letras, Bruna Amaral Almeida, de 20 anos, já desistiu da idéia de tentar mudar a grafia para melhor.

Os anos, a correria e a tecnologia se encarregaram de dar uma “nova versão” ao abecedário da estudante. “Minha letra está pior do que era. Quando criança, os professores davam nota de caderno, então eu escrevia bem devagar, como se estivesse desenhando minha letra”, relembrou.

Bruna também se rendeu à tecnologia. A letra, com o tempo, piorou. (Foto: Thayara Barboza)
Bruna também se rendeu à tecnologia. A letra, com o tempo, piorou. (Foto: Thayara Barboza)
Grafia não é um garrancho, mas estudante garante que já foi mais bonita. (Foto: Thayara Barboza)
Grafia não é um garrancho, mas estudante garante que já foi mais bonita. (Foto: Thayara Barboza)

O “desenho” ficou no passado. Na fase adulta, nos bancos da faculdade, os professores “apenas falam e falam sem repetir”, disse. O jeito é se adaptar para não sair no prejuízo.

“Como eu não tenho mais tempo, passei a aceitar minha letra mais ou menos”, completou, ao dizer que pretende voltar a fazer caligrafia.

Foi o que fez, por conta própria, o acadêmico de gastronomia Fabrício Evangelista Cerqueira, de 26 anos.

Por exigência da escola, ele escreveu em caderno de caligrafia da 1ª à 4ª série. Não apresentou melhora significativa que pudesse facilitar a vida de possíveis leitores. Preferiu aperfeiçoar a arte da escrita.

“Minha letra sempre foi um caco. Eu tinha vergonha. Mas o caderno de caligrafia não ajudou muito. Depois dos 15 anos eu comecei a treinar sozinho, letra por letra. Meio que escolhi uma fonte”, disse.

O estilo foi o romântico, que lembra as letras antigas, trabalhadas, de convites de casamento. Mas são tantas voltas e detalhes que a compreensão fica difícil.

Para não complicar tanto, ele capricha mais nas maiúsculas. A vida conectada e os teclados de computadores não estragaram a grafia, garante. Fabrício, sem sombra de dúvida, é uma rara exceção.

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