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Comportamento

De cada 100 crianças que deixam abrigos, 15 são devolvidas pelos pais adotivos

Paula Maciulevicius | 25/05/2016 06:10
Há também as crianças que pedem para voltar para o lugar que preferem chamar de casa. (Foto: Arquivo/Cleber Gellio)
Há também as crianças que pedem para voltar para o lugar que preferem chamar de casa. (Foto: Arquivo/Cleber Gellio)

Números da Vara da Infância e Juventude revelam que cerca de 15% das crianças em processo de adoção em Campo Grande voltam ao abrigo. A devolução causa, num primeiro momento, revolta do tipo: Como pode alguém devolver uma criança como se fosse um produto? Na maioria das vezes, são os parentes que rejeitam a adoção, depois de ficarem com os pequenos por causa da ausência dos pais. Mas em alguns casos, as próprias crianças pedem para voltar.

A falta de adaptação fez com que uma menina de 7 anos pedisse para retornar ao abrigo neste mês. No histórico, tem dois retornos à instituição. A primeira devolução foi aos 3 anos, depois de uma tentativa de ficar com a tia. Na segunda, o processo falhou já em outra família, após 10 meses junto aos pais adotivos. Ela chegou a estudar em uma das escolas mais caras da cidade e até para os colegas de turma dizia que queria voltar ao abrigo.

"Em julho do ano passado foi feita uma tentativa de colocação familiar na futura adoção e ela voltou para a nossa unidade em maio. O que ela fala é que não quis ficar e por isso pediu para retornar", conta a assessora técnica do gabinete da SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social), Marina Rosa de Sampaio Bragança.

 Quem acompanha de perto a pequena, relatou à SAS que não houve uma criação de vínculo afetivo, indispensável para a adaptação. "E quando não há, normalmente a criança manifesta o desejo de não permanecer mais naquele grupo. Não há culpa nem de um e nem de outro. Essas coisas não se constrói de uma maneira forçada, tem que ser espontânea e se esse vínculo afetivo não foi construído, não tem porque permanecer", explica Marina.

Quando menores, crianças têm mais facilidade de adaptação, mas não significa que as maiores sejam caso impossível. (Foto: Arquivo/Simão Nogueira)
Quando menores, crianças têm mais facilidade de adaptação, mas não significa que as maiores sejam caso impossível. (Foto: Arquivo/Simão Nogueira)

Quando a criança é acolhida, a primeira coisa que a Justiça faz é procurar a família extensa dentro do próprio núcleo familiar. Depois de esgotada essa possibilidade, é que ela é encaminhada para a adoção.

A legislação prevê o chamado estágio de convivência - período em que a criança é acompanhada de perto junto à família - e é durante este tempo que a maioria dos pequenos volta aos abrigos. Anteriormente, a lei determinava seis meses para o convívio supervisionado. Hoje, o tempo é fixado pelo juiz que analisa e estipula de acordo com o histórico da criança e sua idade.

"A gente sabe que crianças menores têm facilidade maior de adaptação e quando a criança é mais velha, esse prazo é um pouco maior. Não que ela seja mais difícil, mas inspira maiores cuidados e o casal tem de estar bem preparado", avalia a juíza Mariana Rezende Ferreira Yoshida.

E são duas as características que a juíza vê nas devoluções: No caso de reintegração dentro da mesma família, é a falta de acompanhamento das prefeituras e órgãos de assistência social. Já na adoção, a falta de adaptação por parte da criança ou dos adultos. "Muitas vezes o casal idealiza muito o filho e quando chega, não é aquilo que idealizou. Os pais precisariam buscar apoio psicológico", avalia a juíza.

Muitas vezes as crianças não correspondem às expectativas dos pais e o problema não está nelas e sim nos adultos. (Foto: Arquivo/Fernando Antunes)
Muitas vezes as crianças não correspondem às expectativas dos pais e o problema não está nelas e sim nos adultos. (Foto: Arquivo/Fernando Antunes)

Na avaliação da psicóloga e coordenadora de projetos da Coordenadoria da Infância e Juventude, Rosa Pires Aquino, o que pode acontecer é a falta de tempo para digerir a notícia de que encontraram a criança tão esperada. "Eles entram para a adoção, ficam um tempo e repentinamente são chamados. A pessoa é pega de surpresa e quando recebe a criança, pode aparecer os problemas. Mas não é a criança o problema, e sim os adultos que se propõem a se tornarem pais. Eles têm que ter um preparo, tem que buscar ajuda para lidar com as situações".

No contexto geral, Rosa descreve que há uma fase de adaptação que varia de acordo com a criança e a família. "A criança vai fazer de tudo para a família, mas para os pais, elas podem não estar se encaixando nas expectativas". E no psíquico da criança, sem que ela perceba, pode estar também testando os pais. "É algo inconsciente que a criança tem, para ver se o adulto está firme e forte em qualquer tipo de dificuldade. É o adulto que tem que ter estrutura para passar essa fase de adaptação. Se na primeira birra que a criança fizer, os pais não estiverem preparados, devolvem mesmo", explica. 

A adaptação pode e deve ter apoio psicológico e de quem já passou pela mesma experiência. Em Campo Grande, há um grupo especial de apoio à adoção que se reúne na terceira sexta-feira do mês, às 19h30, numa sala do CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo) na Avenida Afonso Pena, esquina com a Espírito Santo. O grupo mantém blog e o contato pode ser feito pelo celular: 9644-5056.

"É na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, até que a morte os separe. Não é assim? Isso serve para adoção, para pais e filhos", finaliza Rosa. 

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