Ela buscou a igreja para "fugir", mas só conseguiu ser feliz como transexual
Se tem uma coisa que Alessandra Prates se lembra com detalhes é da infância. Aos 6 anos, quando ainda era chamada por ele, a cabeleireira, nascida em Campo Grande, queria brincar de bonecas, ser como elas, enquanto os primos manifestavam os primeiros interesses por meninas.
A adolescência não fugiu à regra. O menino, que sempre se viu menina, não se identificava com ninguém, nem com os gays e, por isso, sofreu bullying na escola. Deslocado, Alee Prates, como também se apresenta, procurou uma igreja. Frequentou os cultos por um bom tempo, mas a cura, para uma “doença” que não existe, não apareceu.
Foi aí que, determinada, ela resolveu se aceitar. Com o apoio da mãe, começou, aos 18 anos, a “moldar” o próprio corpo: deixou o cabelo crescer, foi para a academia e passou a tomar hormônios femininos. Hoje, aos 21, Alee diz, com orgulho: sou transexual.
… Depoimento a
Elverson Cardozo
Repórter do Lado B
Meu nome é Alessandra Prates. Sou cabeleira, campo-grandense, e tenho 21 anos. Sou transexual, mas ainda não operei. Descobri minha sexualidade aos 6 anos de idade, quando meus primos já se interessavam por meninas e eu só me interessava em brincar de bonecas. Queria ser como elas.
Minha família sempre notou que eu era diferente, e todos sempre me trataram bem, sem preconceito. Na escola, sofria bullyng por ser diferente dos meninos e dos outros gays. Nunca me vi como gay, mas como garota, uma mulher.
Minha maior frustração era ir ao cabeleireiro cortar o cabelo. Não aceitava me olhar no espelho e ver minha imagem masculinizada. Por vezes, chorei sozinha. Fugindo do preconceito, comecei a namorar uma menina, mas não sentia atração por ela, só admiração, carinho e respeito. O relacionamento, como era de se prever, não deu certo e hoje somos amigas.
Confusa e perdida, procurei uma igreja e permaneci por lá durante dois anos, mas não houve mudança em meu comportamento e nem em meus pensamentos. Me sentia deslocada, um ser de outro mundo. Me senti frustrada por não ter resultados no que eu procurava: ser uma pessoa “normal''. Abandonei a igreja.
Aos 15 anos, comecei a sair. Na época, o shopping Campo Grande era um ponto de encontro entre as tribos da moda e eu me identificava com os Emos e os From UK, devido ao corte de cabelo e estilos de roupas. Finalmente, me senti parte de um grupo. Fui aceita. Fiquei feliz. Fiz amizades que duram até hoje.
Dentre elas, tive maior afinidade com uma amiga, que hoje também é transexual. Na época, éramos iguais e pensávamos igual sobre comportamento, roupas e sonhos. Nos divertíamos muito. Saíamos muito e, gradativamente, fomos mudando nosso guarda-roupas e nosso modo de agir.
Percebi, assim, que o preconceito diminuía. Antes éramos o foco das chacotas entre as pessoas e, de repente, começamos a despertar interesse e respeito, na rua e nos lugares que eu frequentava.
Quanto completei 18 anos, me senti dona de mim mesma. Eu poderia, finalmente, ser o que eu sempre quis. Com o apoio da minha mãe, comecei a moldar meu corpo como mulher, tomando hormônios, deixando meu cabelo crescer e fazendo academia.
Isso me deu autoestima e autoconfiança suficientes para eu pudesse realizar um grande sonho, que era trabalhar como cabeleireira. Hoje tenho várias clientes, mas já sofri muito preconceito ao procurar emprego em salões.
Na visão da sociedade, todas as transexuais são travestis, vendem seu corpo e se prostituem, mas essa não é a minha realidade. Eu eu sempre tive meus valores e sempre corri atrás dos meus sonhos.
Espero, no futuro, que as pessoas sejam mais tolerantes e conscientes. E que comecem a tratar os outros pelo que são e não pela “opção sexual”. Não somos movidos apenas pelo sexo, mas pelas nossas convicções e aprendizado. Respeito deve vir, sempre, em primeiro lugar.