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Comportamento

Menino de 5 anos é os olhos dos pais que nasceram cegos

Elverson Cardozo | 06/11/2012 08:14
Pedro Miguel é quem ajuda Jocelino e Eva atravessarem a rua. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Pedro Miguel é quem ajuda Jocelino e Eva atravessarem a rua. (Foto: Rodrigo Pazinato)

Na praça Pantaneira, em Campo Grande, ao lado da estátua de um tamanduá bandeira, Jocelino Aparecido segura a mão de Pedro Miguel, que já havia se empoleirado em cima da réplica do bicho, e pergunta:

- Cadê a cabeça dele?

- Está aqui, respondeu o menino, guiando-o à parte inferior da escultura.

- Tem a cabeça baixa, né?

- É que ele está pegando formigas, respondeu o garoto.

- Humm... Agora me leva para tirar foto em outro lugar.

Após alguns passos, Pedro pára em frente à outra obra construída na mesma praça, resolve subir em cima dela e, guiando Jocelino, avisa:

- Olha o jacaré!

- É a orelha dele?, questionou o pai, ao tocar no objeto.

- Não. É o olho.

O diálogo inocente, entre pai e filho, deixa em evidência a principal diferença entre eles: a visão. Desde que nasceu, há 5 anos, Pedro Miguel Ortiz, se tornou os olhos dos pais, que são cegos.

Mãe do garoto, a pedagoga Eva Aparecida Ortiz, de 40 anos, nunca enxergou por conta da catarata congenita. Já o pai, o auxiliar de radiologia Jocelino Aparecido Martins, de 41 anos, perdeu a visão em decorrência de uma atrofia no nervo óptico.

A vida, para eles, sempre foi decidida no tato, olfato, audição e paladar. Com o nascimento de Pedro, após 7 anos de tentativas, o 5º sentido não voltou, mas a rotina mudou bastante, não pela limitação física, mas pelos cuidados que toda criança requer.

Para quem enxerga, explicou Eva Aparecida, é praticamente impossível acreditar que um casal de cegos possa ter filhos, mas a maternidade, para ela, foi algo natural.

Em cima da escultura, Pedro explica ao pai que o tamanduá está comendo formigas. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Em cima da escultura, Pedro explica ao pai que o tamanduá está comendo formigas. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Pedro Miguel e os pais na entrada da praça Pantaneira. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Pedro Miguel e os pais na entrada da praça Pantaneira. (Foto: Rodrigo Pazinato)

“Já tinha feito aulas de AVD [Atividades da Vida Diária]”, disse, acrescentando que o curso, ministrado no Ismac (Instituto Sul-Mato-Grossense para Cegos Florisvaldo Vargas), ajudou na lida com o filho recém-nascido.

Para cuidar de Pedro Miguel, os “truques” foram indispensáveis. São dicas que vão desde os cuidados com a higiene à aplicação dosagens de medicamentos.

“A gente aprende alguns segredinhos. Para saber se a fralda está com xixi eu apertava. Quando o choro era intenso eu percebia que era de dor, mas isso é com todo bebê. Para dar remédios a gente pinga no copo para ouvir o barulho”, exemplificou.

Jocelino concorda com a esposa e diz, sem medo de errar, que a paternidade, para ele, também foi um processo natural. O máximo que precisou foi da ajuda da sogra, apenas por alguns dias, como acontece com a maioria dos casais.

Hoje, o auxiliar de radiologia e a esposa cuidam sozinhos de Pedro Miguel. O menino, que estuda em uma escola particular no centro Campo Grande, sabe que os pais não enxergam, mas a deficiência se tornou apenas um detalhe, que não atrapalha em nada o relacionamento familiar. Um detalhe que ele sempre está explicando aos coleguinhas.

“Alguns falam assim: ‘como eles tomam banho?’ Eu falei: ‘Eles sabem’. ‘Mas e como eles se ensaboam’? ‘Ah... Isso eu não sei’”, contou.

As travessuras do menino, que vive mostrando a língua e fazendo caretas para quem encontra na rua, tiram os pais do sério, mas ao mesmo tempo acabam aguçando a curiosidade deles, que nunca viram a luz do sol.

“Eu percebi, depois que tive ele, que o visual conta muito. Nas ruas ele contagia as pessoas. O verdadeiro contato visual eu fui ter com ele. Fiquei fascinada. Meu Deus! Essa visão é muito importante”, disse a mãe.

Pedro Miguel, aos 5 anos, é quem guia a pedagoga e o auxiliar de radiologia por todos os cantos da cidade. Quando sobe no ônibus e vê alguém sentando nos bancos reservados, trata logo de dizer que os lugares são de Eva e Jocenildo.

Na hora de atravessar a rua, o menino, mesmo levado, presta atenção no movimento dos carros. Não foi preciso dizer muita coisa para que ele entendesse que os pais eram deficientes visuais, mas nem por isso Pedro arrisca desobedecer as ordens dos dois.

“Às vezes ele pergunta: a senhora vê? ‘Não, eu não vejo, mas os meus olhos estão nos ouvidos, nas mãos”, comentou a mãe.

A mãe, Eva Aparecida Ortiz, está sempre chamando a atenção do garoto, que é muito sapeca. (Foto: Rodrigo Pazinato)
A mãe, Eva Aparecida Ortiz, está sempre chamando a atenção do garoto, que é muito sapeca. (Foto: Rodrigo Pazinato)

Apesar da disciplina rígida, comum entre pais cegos, Jocenildo e Eva tomam cuidado para não sobrecarregar o garoto. Antes, se caia alguma coisa em casa, era ele quem pegava. Hoje, isso já não acontece.

“Não quero que nossa deficiência seja um fardo para ele”, justificou Eva, ao comentar que a sociedade cobra mais de pais cegos.

Jocenildo e esposa nunca viram o rosto do filho, mas imaginam, pelo contato, como é o garoto. “Eu imagino que ele não é tão gordo e tem o rosto semelhante ao meu, mas é mais moreno. Ele é muito fofo, bochechudinho”, descreveu a pedagoga.

Jocenildo, que é mais calado, também imagina que Pedro Miguel não seja “tão gordo”, mas é cheinho. “Ele ta ficando bem altinho. O cabelo e liso porque eu sempre toco”, disse.

Para Eva, a gestação foi um sonho realizado. Para Jocenildo, o nascimento do único filho representa uma conquista. “Ele preenche o vazio que a gente tinha”, disse.

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