Motel deu apelido à avenida, tinha até sala de espera e virou casa de estudante
São mais de 50 anos de existência no mesmo ponto. Pioneiro em Campo Grande, o motel não deu só apelido à avenida Manoel da Costa Lima, como também viu nascer uma cidade toda para os lados da Vila Ipiranga. Construído na Rua Francisco Alves Castelo, por Tito e Verônica, quem faz as contas da data de criação é o sobrinho, hoje administrador do condomínio que virou o "Motel Verônica". "Eu tinha 5 anos quando começou, hoje estou com 59. São 54 anos..." contabiliza Fredy Souza Rios.
Na entrevista ele me indica para que eu jogue o nome do motel no Google e tenha uma ideia de como era a "piscina" de entrada. Como à época da construção, em 1962, a região era tomada pelo barro e matagal, era a forma que Tito pensou para que os carros dos clientes não sujassem o estabelecimento por dentro. Na entrada, as rodas passavam por uma passarela de água, o que Fredy chama de "piscina".
"Era um trieiro só até o Lago do Amor. As ruas eram de terra", detalha o sobrinho. O Motel Verônica transformou a Avenida Manoel da Costa Lima em "Transverônica", por ter sido um dos primeiros motéis da Capital, o desbravador na região e, claro, a rota para uma baladinha privê.
"A criadora do motel foi a Verônica, minha tia, juntamente com o Tito. Eles trouxeram esse motel inspirado de São Paulo, e ele por ser engenheiro, quem construiu. Era um negócio inédito em Campo Grande e que pegou fama", completa o sobrinho.
O motel começou no que hoje é o imóvel do meio, com seis quartos, nos fundos da casa da dona. As sucessivas ampliações fizeram o Verônica chegar a ter 32 quartos e até uma sala de espera. Hoje, se não falhe a memória do sobrinho, 22 deles estão disponíveis para alugar.
Da sala de espera só restou a placa. O piso de cerâmica junto do que um dia foi papel de parede e que agora se limita a ser cascas, veio de São Paulo. Os clientes estacionavam e usavam a sala, que também tinha espelhos, para esperar até um quarto vagar.
O motel funcionou até 2014, mas já estava bem deteriorado. O sobrinho conta que eram apenas cinco quartos funcionando quando Tito, o dono, morreu depois de sofrer um AVC. A família resolveu fechar as portas porque não havia como custear mais os funcionários. Por quase um ano o imóvel ficou sem utilidade até começar a receber moradores, agora os quartos são alugados como moradia para quem trabalha lá perto ou é aluno da UFMS.
"Não tinha mais como tocar o motel, a situação estava precária, a parte elétrica, hidráulica, não tinha mais como manter ativo", resume Fredy. O letreiro foi tirado para dar ao local uma cara de condomínio.
Os corredores ainda são do antigo piso vermelho, em algumas portas, luminárias de ferro dão o ar da graça e quem está do outro lado não enxerga quem caminha graças à estrutura metálica que também acaba barrando o sol de esquentar os quartos.
Parte do motel foi demolido, no entanto, lavanderia e cozinha se mantém. No primeiro cômodo, os varais dão conta das roupas dos moradores e não mais dos clientes e velhos maquinários trazem de volta o passado. A cozinha é comunitária, composta por um fogão, uma geladeira, armários, duas mesas e informativos colados em papel e numa caligrafia bonita, estão orientações de boas maneiras.
Um dos primeiros moradores, há 1 ano e 1 mês, foi o autônomo Marcus Faustino, de 24 anos. À época da mudança, ele foi pesquisar e ler o que encontrava da história do antigo motel. "O que eu ouvi falar é que aqui era o limite de Campo Grande e essa via de trânsito era rápido e caminho de quem vinha da Saída de São Paulo para a de Sidrolândia, então por isso se referiam à ela como Transverônica", conta.
Nas pesquisas, Marcus também encontrou relatos de que os mais conservadores evitavam de passar por ali, porque a região não era "pura". Ele escolheu morar ali por estar no meio do caminho entre o Centro e a casa do pai, na Saída para São Paulo.
"Achei até na página do fotógrafo Roberto Higa uma brincadeira, de que certo fotógrafo fingia tirar fotos do campinho de futebol, mas tirava mesmo era de quem entrava e saía do motel para chantagear depois", conta rindo.
Estudantes de Engenharia Elétrica, Carlos Souza, de 19 anos e Kecy Jones Filho, de 17, vieram de São Paulo e Goiás e optaram por morar ali pela proximidade com a UFMS. Entre os meninos, o que chegou era de que o motel foi o "mais top de Campo Grande". "É engraçado falar que mora num antigo motel, mas depois eu vi que era normal aqui dentro", conta Kecy Jones. Carlos já passa adiante até a lenda que circula entre o condomínio, de que anos atrás, uma mulher abandonada pelo marido usava um dos quartos só para chorar.
"Aí falam que quando dá meia-noite, se ouve o choro dela. Eu já ouvi uma vez, mas acho que foi porque fiquei impressionado, parecia mais choro de criança mesmo", brinca.
Verônica, a dona do motel ainda é viva. Tem 88 anos e uma saúde fragilizada. Ela ainda mora ali, mas na casa da esquina. O sobrinho conta que até hoje ainda tem cliente que bate ao portão, pedindo por um quarto. De longe ele pergunta se é para alugar, porque o motel, já não funciona mais.