Quando juíza decidiu ser mãe de novo, filha saiu do trabalho para o novo lar
"A minha mãe me encontrou bebezinha, ela gostava muito de mim. Trocava fraldinha, eu adorava minha mãe", diz uma fala infantil, de quem conta uma historinha. "E o papai e a Juju", completa uma voz mais firme, ao fundo. A primeira frase é dita pela Minnie. A segunda, por sua mãe. Mariana tem 4 anos e desde antes de pronunciar 'mamãe', ensinou o que é amor incondicional em casa. Foi depois de 11 anos na Magistratura, três deles na Vara da Infância e Juventude, que Jacqueline escolheu ser mãe de novo, e ter uma gestação através dos papeis.
No sofá de casa, preparada para uma foto de família, é que os Machado Campanile Braga descrevem sua história como sendo a de todos os outros casais que resolvem ter um segundo filho, mas pela adoção. "Também há outra forma que é tão natural para a gente, que está vivendo isso, trabalhando com isso, quanto a biológica", explica a juíza Jacqueline Machado, de 44 anos.
A convivência entre crianças que viviam em abrigos e pais que esperavam a tramitação do judiciário para terem um filho fizeram com que Jacqueline, Fabrizio e Júlia, escolhessem o caminho do coração para receber o novo membro da família.
À época, em 2012, a primogênita da casa estava com 7 anos e queria muito uma irmã. E seus pais, um segundo filho ou filha. Trabalhando na área da infância, a juíza percebeu que não precisava gestar para dar à luz, que bastava bater à porta, preencher a papelada e aguardar pelo "nascimento", que podia levar bem menos ou bem mais que nove meses.
"E tem tanta criança que quer ter uma família e você aumentar a sua, eu não via essa necessidade de gerar e fui acompanhada pelos dois. Para eles também não importava de que forma a Mariana ia chegar na nossa vida", conta a juíza. O importante era chegar.
Como qualquer casal candidato, eles fizeram o curso de preparação, a inscrição e levaram adiante todo processo. "A gente concluiu, depois do curso, que na verdade aquela realidade que víamos no abrigo, o contato com as crianças, fez a gente se abrir e desmistificar aquela coisa da adoção", explica o pai, procurador, Carlo Fabrizio Campanile Braga, de 44 anos.
A família não restringiu o perfil da criança em cor, idade ou sexo. Como juíza, Jacqueline não tinha preferência alguma na fila, muito pelo contrário. "Eu não podia nem receber uma criança que eu tivesse destituído do poder familiar. Tinha que esperar uma entrega voluntária, de outra comarca", explica.
E foi assim que Mariana chegou. Com dois meses e meio de vida, à noite, no abrigo. Primeiro foi feito contato com candidatos anteriores, mas que não se enquadravam no perfil dela.
"E aí a gente foi lá conhecer, não tínhamos expectativa nenhuma. Não tínhamos colocando que ia ser assim ou assado. A gente queria uma filha, assim como veio a Júlia, que na barriga você não sabe que cor será o cabelo, os olhos", narra a juíza.
Sem expectativa e de coração aberto, o casal entrou no abrigo. Como Jacqueline era conhecida das crianças, foi recebida com festa e ele foi quem deu o primeiro colo à filha.
"Ela chorava bastante e eu só pensava: quero amar, quero cuidar e se houve algum sofrimento, daqui para frente vai ser diferente e de cara veio a sensação de maternar, de querer pegar no colo, beijar, abraçar", descreve a mãe.
Por se tratar de uma adoção inter-racial, o tempo de habilitação não passou de seis meses. No entanto, até sair a decisão, o coração de mãe falava mais alto que o escalão que Jacqueline ocupava na Justiça. "O tempo que fica com a guarda provisória, por mais que você conheça o processo, esse tempo de espera é difícil. Dá uma insegurança terrível", traduz a juíza.
Já se passaram quatro anos desde a decisão de adotar, receber Mariana e ter a alegria da menina que tem alma de artista em casa. Desde sempre, filha acompanha a mãe em cursos e reuniões, fala e sabe abertamente da adoção.
"O que ela mais tem de mim? O gênio, vai pegando o jeito. E o que eu mais tenho dela? Paciência. Aprendi a ter mais paciência e calma", analisa a mãe.
No trabalho, inevitavelmente, Jacqueline mudou. "Claro que eu sempre tenho que observar a lei, mas a forma de ver a adoção, como ela é na prática, você entende a expectativa e os medos desses pais que aguardam", opina.
Se a adoção teria ocorrido se ela não tivesse tão próxima às crianças? Essa pergunta a juíza não sabe dizer, mas admite que o que lhe abriu essa possibilidade foi exercer a função na Vara da Infância e Juventude.
"Por eu ter convivido, entendido o que é adoção, é que possível a gente amar de forma incondicional, independente do sangue. Você não gera biologicamente, mas gera do jeito que ela é, e ela é a nossa filha", enfatiza Jacqueline.
A menina retribuiu o amor com poesia. Na escola, aprendeu a declamar Mário Quintana e recorre aos seus versos para expressar o que carrega no peito:
''Mãe... São três letras apenas
As desse nome bendito:
Também o Céu tem três letras...
E nelas cabe o infinito.
Para louvar nossa mãe,
Todo o bem que se disse
Nunca há de ser tão grande
Como o bem que ela nos quer...
Palavra tão pequenina,
Bem sabem os lábios meus
Que és do tamanho do Céu
E apenas menor que Deus!''