Rainha do Facão evitou assalto e só não ganhou fama de heroína por ser travesti
Kevyllen Khostynner tem 30 anos de idade e 15 de identidade, desde que escolheu ser chamada assim. Conhecida popularmente como Nina, ela foi heroína ao evitar um assalto a um motel na saída para Sidrolândia no último dia 26 de outubro. Além de desarmar o bandido que se passou por um cliente, a garota de programa lutou com ele, bateu, foi ferida e teve a sua foto mais divulgada do que a do bandido, mas não por ter evitado um crime, e sim por ser travesti.
O Lado B tentava falar com Kevyllen desde o episódio, mas só foi possível nesta semana. Isso porque ela mora com os pais no Assentamento Eldorado, zona rural de Sidrolândia e só vem para Campo Grande para festas ou visitas ao médico. Faz acompanhando quase que mensal com especialistas e toma remédios controlados. Por lá, o trabalho é junto com a família, na produção de leite, queijos e doces. Quanto aos programas, ela diz que faz "raramente".
A nossa primeira curiosidade é sobre o nome. Acreditando que a resposta teria relação com o ator do filme "O Guarda-Costas", ela nega e explica que veio de uma revista lida aos 15 anos. "Ela foi uma modelo francesa, alta, magra, muito bonita ela", explica Kevyllen.
Natural de Bela Vista, a travesti é muito bem articulada, tanto nas palavras que escolhe, como na forma de se portar. Estuda o 3º ano do Ensino Médio no próprio assentamento. Tem uma voz suave, como quem narra uma cena de novela que ela tinha assistido, não vivido. Em casa, a repercussão de tudo se dá com ela como "Kleber". A forma como os pais ainda a chamam. "Eles não têm nada contra a minha opção sexual, me registraram assim e para eles é Kleber", explica. Apesar do embate dentro de casa, ela relata tudo com naturalidade, sem demonstrar rancor, apenas conformada.
Sobre o episódio, ela volta no tempo cronologicamente. Talvez por costume de ter sempre de se explicar várias e várias vezes. Ela vinha para uma festa que não deu certo na Capital e ao invés de voltar para casa, resolveu ficar. Na madrugada de domingo para segunda, quando estava em uma conveniência, ela foi abordada por Zoel da Silva Pinheiro Júnior, de 35 anos - o homem que tentou realizar o roubo no motel - com a proposta de um programa.
"Ele perguntou se eu estava fazendo programa, eu falei 'tô', peguei e entrei no carro", diz a travesti. Da Avenida Bandeirantes eles seguiram pelo Centro e foram parar no Motel na Avenida Günter Hans.
"Do jeito que eu entrei, ele me parecia uma pessoa de coração tão bom". Às vésperas de amanhecer eles teriam chegado ao quarto do motel. Kevyllen conta que ele começou a beber e quando percebeu que o cliente não tinha dinheiro, pediu para que ele a levasse de volta à conveniência.
"Aí ele começou a me ameaçar, dar intimação de medo e eu não tenho medo. Falei que ele não ia ser capaz disso, quem é capaz não fala, faz", se defende. Com ameaças de ter o pescoço cortado, a garganta perfurada e por aí vai, ela diz que sentiu que tudo iria piorar. "Ele não ia sair desse motel, eu ia ter que pegar ele", descreve.
Enquanto ela estava na hidromassagem, Zoel falou que roubaria o motel. A travesti saiu às pressas, com um vestido de crochê e enrolada numa toalha. "Eu liguei para a recepção e falei para não deixar ele sair, que ele estava com um facão. Só avisei e pedi para deixar o resto comigo, que eu tirava o facão dele", conta.
Nos pensamentos, Kevyllen já sabia que ele levaria tudo o que pudesse deixando a culpa sobrar só para ela. Ela correu até o carro, já parado em frente à recepção. "Fui diretamente tentando tirar a chave e o facão dele, mas na hora não achei o facão. Só senti na minha perna, ele puxou o facão pra mim. Quando eu vi meu sangue, fiquei desesperada e saí correndo atrás dele na frente do motel".
Ela lembra de ter dado uma voadora com a perna esquerda. Movimento que derrubou Zoel no chão. "O facão voou, eu peguei e só fui na cara dele". Kevyllen diz que não o matou porque os Bombeiros chegaram. "Eu falava: você gosta de bater em puta, em travesti, então toma. Foi um pau mesmo", afirma.
Esse foi o primeiro episódio de confusão que a travesti afirma ter se envolvido. Na Polícia, consta apenas uma queixa contra ela por furto, em 2012. Já Zoel, tem ficha extensa de furto, roubo, tráfico de drogas e tentativa de homicídio. Ela tem 1,85m de altura. Ele, segundo a descrição da travesti, quase chegava lá.
Sobre ser heroína, Kevyllen diz que se tornou, mesmo que o reconhecimento não venha em público e que a exposição dela foi mais pela sexualidade e não pela atitude. "Não queria criticar, eu sei que a imprensa estava trabalhando, mas em vez de tirar foto dele, do bandido, tirava de mim, sendo que o errado era ele", diz. Quando ela pediu à Polícia que falasse com a imprensa, levou uma respostada, devolveu com outra pior e acabou detida.
"Heroína? Não era para eu estar ali, era para estar em casa, de teimosa eu fiquei em Campo Grande, mas era para ter ido embora. Só pensei, coitada das moças trabalhando, elas não tinham nada a ver", relata.
Depois do episódio, a vida de Kevyllen mudou, pelo menos entre as profissionais de sexo. "Por onde eu passo, sou a rainha do facão. A heroína, entre as amigas os amigos e quando a gente se encontra na rua, eles falam: 'olha a nossa salvadora ali'. É gente que me reconheceu pela altura, cabelo e maquiagem", afirma.
No assentamento onde mora, as visitas começaram no dia posterior a data da volta, quarta-feira, 28 de outubro. "Eu falava que comigo estava tudo bem, graças a Deus, só a minha perna mesmo".
Kevyllen queria ter tido sim um reconhecimento maior, fora das "ruas", nem um "muito obrigada", mas se contenta em ter feito um serviço aos profissionais do sexo.
"Eu tirei um vagabundo das ruas. Ele ameaçava tentar matar minhas colegas de trabalho, tinha agredido já duas outras meninas de zona. Ele tem que pegar um homem para enfrentar, não travesti, não garotas de programa que estão lá trabalhando. Ninguém vai levar um pacote de arroz e feijão para sustentar a família delas".
Kevyllen se forma no 3° ano do Ensino Médio no próximo dia 6 de dezembro, vai ter formatura e tudo. Com diploma em mãos ela quer estudar para ser independente. "Quero fazer matemática ou ser contadora". Hoje as fotos são "posadas", como as que ela gostaria de ter feito no dia. "Queria dar entrevista, falei na hora, mas estava nervosa, ferida. Depois ninguém falou comigo nem na Santa Casa e nem na delegacia".