Sem nem imaginar o que é o câncer, Bibi cuida da avó usando peruca e sombrinha
As crianças têm muito a nos ensinar e no estado mais genuíno do amor, Bibi usa a mesma "peluca" da avó
Desde abril o diagnóstico de Luciana é câncer no seio, pulmão e braço esquerdo, mas para Bibi, a netinha de 4 anos, tudo isso se resume ao que ela explica para as bonecas: "Vovó está dodói". Bibi é o apelido carinhoso de Ana Gabrielly, a primeira neta de Luciana e que é a cara dela. As duas têm uma ligação tão forte, que quando a quimioterapia começou e a avó teve de abrir mão dos cuidados diários para com a neta, Bibi sentiu doído, mas o que a pouca idade não lhe permite compreender, a ingenuidade presenteia a avó com risos.
Por ela não aceitar Luciana careca, a peruca entrou como acessório principal na casa. "Vovó você está muito feia, o vovô acabou com o seu cabelo", diz a garotinha. A sinceridade é tamanha que até causa alguma alegria. Acabou sobrando para o avô porque foi ele quem raspou a cabeça de Luciana.
No começo, a avó usava peruca e lenços, mas pela alergia aos fios, ficou restrita apenas ao que é de tecido. Só que Bibi não diferencia as duas coisas e chama tudo de "peluca". "Eu ponho lenço, ela quer por também, ponho chapéu, ela quer. Eu falo tem que cuidar da vovó, porque ela sente muita falta de mim", diz Luciana Albuquerque da Silva, de 40 anos.
Nesta quarta-feira, Bibi faltou a creche, mas por um bom motivo. Como ela e a irmã caçula ficavam sempre sob os cuidados da avó, ir para a escola mudou a rotina na qual ela já estava acostumada e o reflexo foi uma alteração de comportamento.
As crianças têm muito a nos ensinar, principalmente na demonstração de amor. E no seu estado mais genuíno, Bibi usa a mesma "peluca" da avó e sai de sombrinha para protegê-la do sol. "Quem cuida da vovó? Eu!" responde toda feliz.
No passeio de ontem, Bibi acompanhou a avó em médicos, mas enxergou com outros olhos. "Ela me disse: hoje o dia está tão bom que parece de aniversário. É que tudo ela leva na brincadeira e isso é tão bom pra mim, eu vejo a disposição dela e isso me dá mais ânimo".
Luciana é nova, forte e decidiu encarar de frente, junto das netas, a doença. "Eu já estou curada, eu acho que é só uma fase e que eu não posso me abater, eu estou sempre alegre e ela? Ela mexe em tudo, acha peruca, lenço, tudo uma novidade, não dá para entender", descreve a avó.
A ida para a creche tirou a alegria da menininha e por mais que a mãe falasse e a avó explicasse a doença, ela não entende o peso da palavra câncer. "Ela acha que me afastei dela por outra coisa, não entende que é uma doença". E isso dói na avó.
Bibi vê tudo como uma brincadeira. Até as pedrinhas da planta da entidade onde a avó foi consultar, ela diz que são ovinhos. E em casa, quando o mal estar bate por conta da quimioterapia, a pequena se ajeita ao lado da vovó.
"Eu estou deitada no chão e ela fica deitada lá, dizendo: 'ai, que calor não é vovó?' Eu acho até engraçado, é uma maneira de passar o tempo e ela fica cantando assim, o tempo todo", exemplifica Luciana.
De choro mesmo, Bibi não segurou uma única vez, quando viu a avó aos prantos de dor. "Pelas quimioterapias, eu passo muito mal. Estava sentindo dor no corpo inteiro e chorando muito. Ela me dizia: vovó, onde está doendo? Não chora que eu choro junto e ela começou a chorar também", conta.
E nessas horas, Luciana agradece pela família que tem. O tempo de convivência com outros pacientes e também seu trabalho à frente do setor de oncologia do Regional, que inclui dia de beleza e café da manhã, mostram o quanto existem pessoas sem a mesma sorte que ela.
"Muita gente conta que o marido, os filhos, largaram e a minha família está junto, muito mais perto e isso é tão bom".
Cheia de caras, bocas e poses, Bibi abre a sombrinha para explicar o que faz com a avó. "Eu cubro a vovó, faço assim, olha? A joaninha tem olhos", mostra. E Luciana emenda: "porque a vovó não pode pegar sol?" A menininha só responde que não pode.
E o que a vovó é? Pergunto. "Linda", sorri a netinha.
Todo o esforço que a avó faz hoje, será entendido lá na frente. "Quando ela tiver maior e compreender, vai falar: eu passei essa fase com a minha vó sem entender... E para mim, faz muito bem, essa alegria de tudo. Ela quer brincar, tudo para ela é espontâneo".
Como promessa, Luciana disse que depois da cirurgia - retirada da mama - e dela ficar curada, as duas vão passear. "Quando a gente curar, vamos para o parque a tarde toda e sabe o que ela perguntou? Se eu ia levar muitos doces..." "É, vamos no parque, fazer um piquenique", aguarda ansiosa a menininha.