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Consumo

Num muquifo da Dom Aquino, a surpresa ao entrar para fazer escova por R$ 15

Paula Maciulevicius | 31/07/2015 10:04
Esse era Orlando depois da minha escova. Para a foto, ele quis se arrumar. (Foto: Marcos Ermínio)
Esse era Orlando depois da minha escova. Para a foto, ele quis se arrumar. (Foto: Marcos Ermínio)

Quando chegou à redação a foto de uma fachada verde, com uma cadeira de escritório velha que servia de apoio para a placa escrita à mão "escova 15,00 e corte a 10,00", eu senti que precisava ir pessoalmente ver aquele lugar. O que não esperava era encontrar naquele verdadeiro "muquifo" na Dom Aquino um cara tão figura e que já fez história aqui.

A fachada não tem nada além do número 1173. Na quadra para baixo da Calógeras, é a letra do proprietário que anuncia o serviço. Orlando Esser, vestia uma camisa branca amarrotada e, com o lugar às moscas, dormia no lavatório, ouvindo música.

Quando vi a parede cheia de buracos, a cadeira velha e o secador pendurado, minha vontade foi de disfarçar e ir embora. Mas, desconcertada, passei segundos imaginando como acordar o cabeleireiro. Bati palmas, ele atendeu e eu pedi para fazer uma escova. "Pra já", respondeu.

Logo me colocou no lavatório que, mesmo antigo, oferece a água na temperatura da minha preferência. Escolhi a morna. E assim que me sentei, os olhos encontraram teias pelo forro de madeira... Ao lado, é num nicho na parede que ficam as toalhas. Surradas, mas limpinhas. Comecei as indagações, da onde vinha aquela figura?

A frente do estabelecimento é estreita como o corredor e não desperta vontade alguma de entrar.
A frente do estabelecimento é estreita como o corredor e não desperta vontade alguma de entrar.

Orlando nasceu em Florianópolis (SC). Chegou aqui em setembro de 1979, fugindo do frio. À primeira vista, foi o clima da cidade que o fez ficar. "Sou cabeleireiro há muitos anos... Aí, eu tenho uma história meio comprida. Já tive bem, me apaixonei por uma menina linda e perdi a cabeça. Eu não sabia que existia paixão de você se descontrolar assim, de parecer que a vida acabou para você..."

E eu nem tinha me apresentado como jornalista ainda até a prosa engatar. Então, veio à cabeça a pergunta: "Ninguém nunca contou sua história?". Do Orlando de agora, não. Do Orlando de 1979, sim...

"Em 79 eu cheguei e comecei a trabalhar no salão do Hotel Jandaia... Só atendia a alta sociedade. No jornal saiu uma matéria uma vez, do desfile da Pietra Boutique, que eu tinha arrumado as modelos, aí que fiquei conhecido na cidade", conta.

A paixão avassaladora, como conta Orlando, o fez perder a cabeça e a clientela. "Eu não parava mais no salão. Aí achavam que eu tinha ficado doido. Perdi o crédito, fiquei sem fiador, cai no desânimo... Por isso eu não tenho uma sala boa", diz.

Não sei tirar foto no espelho, mas precisava registrar, porque ninguém acreditaria.
Não sei tirar foto no espelho, mas precisava registrar, porque ninguém acreditaria.

Me surpreendo ao sentir o cheiro do shampoo que ele passou nos meus cabelos. Mas a surpresa vem, de verdade, quando me sento na velha cadeira. O corredor que mal deve ter 1m de largura, tem um espelho de cada lado. Presente de uma cliente, diz ele. Quando me vira para a frente do espelho é que parece ver o reflexo da própria imagem. Primeiro, um susto. Depois um balancear de cabeça como quem aceita a cena que lhe é imposta.

Orlando arruma os cabelos antes de começar a mexer nos meus. Acho que fazia tempos que ele não tinha cliente. E talvez fosse a primeira vez que ele se olhava por aqueles dias. Até um ar de vergonha senti vindo dele. Tanto é que posar para as fotos ele só aceita depois.

E conversa vai, conversa vem... Ele repara as luzes quase saindo, já nas pontas do meu cabelo e diz que o último corte não ficou bom. "Seu cabelo é liso, não dá para por fio reto, mas o repicado não ficou certo também não. Se você me der essa chance, eu queria mostrar meu trabalho para você". De cara me veio o preço, R$ 10? Mas por hoje, só fiquei com a escova mesmo.

Pergunto se eu era a primeira cliente do dia. A resposta é sim. De imediato, olho as horas... Quase meio-dia... "É que eu não tenho mais cliente... Tem muita gente que repara aqui e estando sozinho, só piora... As pessoas olham para as paredes e não para o trabalho do cabeleireiro". Senti a resposta quase como um tapa na minha cara, do primeiro pensamento que tive.

Claro que se não fosse por uma reportagem, eu nem sequer pararia ali. "Tem dia que eu tenho duas, tem dia que não tenho nenhuma... Eu estou aqui para sobreviver... Mas quero achar uma sala boa e essa oportunidade que você está me dando..."

As palavras saíam até em tom de agradecimento e percebo que não é nem pela reportagem porque o alcance da internet, Orlando desconhece. Mas pela chance que lhe dei de ouvi-lo.

Escova pronta, R$ 15,00 pagos. Saí de lá super satisfeita com o resultado, com um sorriso no rosto e os cabelos ao vento. O segredo, ele só revela no final... "Condicionador não presta, minha escova é uma hidratação, você vai fazendo e vai melhorando o cabelo. Sabe o que eu uso? Óleo de queratina e silicone..." Não sei se foi pela mistura ou pela conversa boa, só sei que saí da velha cadeira do cabeleireiro Orlando, mais leve.

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Preço é o mesmo, não importa o tamanho do cabelo. (Foto: Marcos Ermínio)
Preço é o mesmo, não importa o tamanho do cabelo. (Foto: Marcos Ermínio)
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