Saneamento ajuda, mas não é suficiente para salvar córregos de Campo Grande
A rede de esgoto cresceu 60%, mas os maus hábitos e falta de ações educativas ainda ameaçam os cursos d'água da Capital
Por sete anos, o péssimo cheiro do Rio Pinheiros e do Tietê perfumou meu cotidiano em São Paulo. Lá, a gente sabe que os rios morreram faz tempo, assim como boa parte da natureza fora dos parques.
Justamente por isso, uma das coisas que mais me chamou a atenção em Campo Grande foi a abundância de vida dos córregos e rios que atravessam a área urbana. “Há dez anos aumentou a preocupação tanto do poder público quanto do povo com a bacia hidrográfica da cidade”, conta Edilson Omoto, engenheiro químico da Águas Guariroba.
A empresa é responsável pela execução do Sanear Morena, programa que tem como meta levar a rede de esgoto a 100% das casas da cidade até 2025. O trabalho completa dez anos esse ano e fez a cobertura da rede saltar de 20% para 80%.
Esse resultado reflete, é claro, na vida não só dos humanos (a taxa de internações por diarreia caiu 91% no mesmo período), mas também dos peixes, tartarugas e tantos animais e plantas que dependem do Prosa, do Segredo, do Anhanduí e dos outros 30 cursos d’água da cidade para respirar.
Em 2010, no quarto ano do Sanear e o segundo do Córrego Limpo, programa da prefeitura que analisa a qualidade das águas da capital, essa taxa era de 13%. No segundo trimestre deste ano, o índice de cursos d’águas considerados “ruins”, poluídos, era de 6%
A queda é representativa, mas ainda há pontos críticos, como o Anhanduí. A questão me pegou pelo nariz e pelos olhos em uma das matérias que fiz por lá. Havia lixo, erosão e a reclamação mais constante: as enchentes.
“Nos destacamos no cenário nacional, mas só porque no resto do país a situação é muito ruim. Precisamos ampliar nosso cuidado com os taludes, especialmente o do Anhanduí”, concorda o engenheiro ambiental Ariel Ortiz Gomes, professor da UFMS (Universidade Federal do mato Grosso do Sul). Por talude, entenda-se o terreno inclinado que conduz o curso d’água em seu caminho até o Rio Paraná, centenas de quilômetros distante da capital.
De fato, em todas as coletas feitas pelo Córrego Limpo esse ano, nenhum ponto do rio teve a água considerada “boa”. “A erosão das margens impacta na qualidade da água, e temos também o problema do esgoto clandestino, que é ligado de maneira irregular ao sistema de águas pluviais, por onde escorre a água da chuva ”, explica Ariel.
A questão é que boa parte da culpa pela poluição é também do nosso comportamento. “A história mostra que sempre nos importamos pouco com o rio. Fomos dando um jeito de sumir com os menores e pavimentar os maiores”, comenta Édison Carlos, presidente executivo da ONG Trata Brasil, de São Paulo. “Usamos para jogar lixo, tiramos o espaço que a natureza criou para absorver a água e, quando chove, reclamamos do rio”, completa.
Ora, o que se pode fazer, então, para evitar que um dia as águas que cortam a cidade estejam tão falecidas quanto as do Tietê?
O papel do saneamento
Apesar das tubulações de esgoto não chegarem a 20% das casas, 100% dos dejetos recolhidos são tratados antes de voltarem à natureza. E Campo Grande é a única capital do país a contar com um sistema capaz de devolver a água ainda mais pura do que a do rio.
A magia acontece na ETE (Estação de Tratamento de Esgoto) Imbirussu, a 14 quilômetros do centro da capital. “Temos uma eficiência de 98% na limpeza da água com um sistema importado dos Estados Unidos”, explica Kamilo Reis, engenheiro civil da Águas Guariroba.
O modelo faz com que o esgoto seja digerido por micro-organismos, como bactérias, em um grande tanque. “Elas se alimentam da matéria orgânica do esgoto, que é formado em grande parte por resíduos do nosso próprio organismo, e removem substâncias que seriam prejudiciais ao córrego”, explica o engenheiro químico Edilson Omoto, que trabalha no lugar desde sua inauguração, em 2013.
“Para melhorar, o ideal seria que a Los Angeles, a outra estação da cidade, também tivesse mais etapas”, opina Ariel. “Mas a poluição depende de fatores muito além do saneamento”, completa Édison Carlos.
Mais mato = menos calor e enchentes
“Tá vendo que aqui tá mais fresco?”, me pergunta Osmar Martins, responsável pelo CEA (Centro de Educação Ambiental) Anhanduí, refúgio de mata (quase) intocada a 800m da agitação da Ernesto Geisel.
“É porque a temperatura é até quatro graus mais baixa aqui. No centro, onde a vegetação reduziu bastante, a diferença chega aos dez”, continua Martins enquanto me guia por um tour pelo parque em uma típica manhã de sol forte das que só tem aqui.
O CEA, um dos quatro mantidos pela prefeitura na cidade, protege um tesouro. “São mais de doze nascentes. O Anhanduí não nasce, surge desses e de muitos outros afluentes”, ensina Martins.
“Precisaríamos de mais áreas verdes como essa na cidade para melhorar a preservação dos rios”, opina. “Sem a mata ciliar, mais terra cai dentro do córrego e diminui seu nível de oxigênio e a capacidade de recolher água da chuva”.
Os vizinhos colaboram com a manutenção do espaço. “Fizemos um trabalho educacional com os moradores, que vem nos avisar quando há algo de errado”, destaca Osmar. Mesmo assim, dos 18 hectares do parque, que existe há menos de 10 anos, sete já foram queimados por incêndios intencionais.
A culpa que nos cabe
Além dos sofás, sacolas, latinhas e tantos outros lixos que é possível ver por boa parte da extensão dos rios da capital, é consenso entre os especialistas que entrevistei que a população precisa colaborar com o saneamento e a preservação dos rios.
Para se ter ideia, mesmo com a expansão da rede da capital, a Águas Guariroba estima que 24 mil domicílios da cidade estão com “ligações ociosas”. O termo significa que há espaço e rede de esgoto disponível para eles, mas que a conexão não foi feita.
E por que isso importa? Bem, porque dos 200 litros de água que consumimos em média todos os dias, cerca de 150 viram esgoto que, se não coletado e tratado, vai parar nos rios, córregos e lençóis freáticos da cidade.
Em uma casa com 4 pessoas, são 600 litros de dejetos percorrendo diariamente o caminho por onde só deveria passar a água da chuva. Se todas essas 24 mil casas tiverem um média de 4 moradores em cada, são - acredite - mais de 14 milhões de litros de sujeira invadindo a água corrente todo dia.
“Por lei, o imóvel é obrigado a fazer a ligação e não temos poder de polícia para obrigá-los, mas a Prefeitura faz a fiscalização”, aponta Camilo. Em 2015, a prefeitura emitiu 28 multas por poluição ambiental e, de 2015 para cá, 542 imóveis foram autuados por ainda não terem se conectado a rede.
“Os rios dão a impressão de diluir a sujeira, mas a poluição não some, ela vai caminhando com a água”, alerta Rubens. “Precisamos de uma mudança de cultura, que só vem com educação”, resume. Que façamos, então, a lição de casa.
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