Cenários incertos, por Wladimir Pomar
Uma apreciação menos maniqueísta da transição do governo Lula para o governo
Dilma pode comprovar que ainda não ocorreu uma reversão completa do caminho
trilhado pelos governos neoliberais, mas que ocorreram algumas mudanças
importantes.
Por exemplo, passamos da estagnação para o crescimento econômico. Saímos da
privatização dos ativos das empresas públicas para a consolidação das
empresas estatais, que sobraram da privataria neoliberal, e para as
parcerias público-privadas, com concessões ao setor privado.
O desmantelamento do planejamento estatal foi deixado de lado e há um
processo, ainda não consolidado, de retomada do planejamento macroeconômico
e macro-social. O combate aos miseráveis transformou-se em combate à miséria
e em esforço para elevar o poder de compra das camadas de baixa renda.
Aumentaram as taxas de emprego e tiveram início ações mais consistentes de
apoio às micros e pequenas empresas. As estruturas educacionais e de saúde
estão sendo reorganizadas, embora não na velocidade que seria desejável. E a
construção de moradias tomou vulto.
Também deve ser destacado o esforço para introduzir no país uma democracia
relativamente participativa, paralelamente à ampliação da democracia liberal
formal. O mesmo pode ser dito em relação ao abandono das políticas de
subordinação aos ditames das potências imperiais e sua substituição por
políticas soberanas de integração sul-americana e diversificação das
parcerias internacionais.
No entanto, embora tudo isso seja positivo e necessário, não é suficiente
diante das demandas da sociedade brasileira e das nuvens carregadas que
estão se armando nos EUA e na Europa. A sociedade brasileira precisa de um
projeto democrático popular. Este, no âmbito econômico, deve apontar, de
modo mais consistente, para maior participação das empresas estatais, em
especial nos setores estratégicos, e deve estimular a ampliação massiva do
capitalismo democrático, isto é, das micros e pequenas empresas privadas,
urbanas e rurais.
O que não significa abandonar a política de reforçamento das empresas
privadas, para que adensem as cadeias produtivas industriais e agrícolas, e
desenvolvam mais rapidamente as forças produtivas do país, embora seja
necessária uma ação permanente do Estado para evitar que elas tornem o
mercado mais caótico do que normalmente é.
Tudo isso implica em adotar políticas macroeconômicas coerentes, que tratem
não só de manter a inflação baixa, mas também de praticar juros favoráveis
para aquele desenvolvimento, e tratem o câmbio como instrumento de política
de desenvolvimento industrial. Deixar juros e câmbio à mercê das forças
desbragadas do mercado é o mesmo que atravessar estradas de alta velocidade
fora das passarelas.
Se o governo Dilma demorar demais na configuração de um projeto desse tipo,
que possa unificar mais firmemente as classes e setores sociais
contraditórios que a levaram ao governo, a tendência pode ser um processo de
desgaste constante em torno de problemas de corrupção, reais ou fictícios,
ou em torno de divergências de porte menor.
Afinal, não são poucos os que consideram crescimento econômico com
distribuição de renda insuficiente, mesmo para um governo de coalizão
dirigido pela esquerda.
A presidenta tem razão em achar que isso não depende apenas da vontade do
governo ou dos partidos de sua base. Realmente, para construir uma unidade
de forças em torno de um projeto nacional, democrático e popular, será
necessário que os partidos de esquerda botem mãos à obra, em conjunto, para
elaborá-lo e colocá-lo em discussão na sociedade, mudando a pauta negativa
que a direita tenta impor a todo custo.
Isso é tanto mais necessário neste momento em que as perspectivas de solução
da crise econômica européia e norte-americana estão afundando no lodaçal
perigoso de propostas políticas de direita e de ultra-direita. Os ricos se
negam a pagar a conta de seus lucros abusivos e estão apelando para
possíveis saídas militares. Como estas, na atualidade, parecem agravar, cada
vez mais, justamente a situação dos que as praticam, os cenários tendem a
ser crescentemente incertos.
Portanto, sem um projeto unificador, o governo Dilma pode ser apanhado no
contrapé.
(*) Wladimir Pomar é escritor, analista político e dirigente do PT.
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