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A Fé na Democracia

Jully Heyder da Cunha Souza (*) | 07/05/2020 13:31

Quando Nelson Rolihlahla Mandela deixou a prisão-fazenda de Victor Verster, na Cidade do Cabo, de mãos dadas com sua mulher, Winnie, no dia 11 de fevereiro de 1990, após 27 anos de reclusão, encontrou do lado de fora uma África do Sul em profunda tensão política e social.

Se o governo central, comandado pelo então presidente Frederik de Klerk, estava desgastado e pressionado pela comunidade mundial, que censurava o Apartheid, regime de segregação racial imposto à maioria negra daquele país, por outro lado Mandela ressurgia como o grande líder e a esperança de libertação do povo Sul-Africano, castigado pelo racismo, tendo apoio de grupos organizados e dispostos à luta armada, além de grande prestígio internacional à época.

Ele sabia do grau de ebulição social devido à opressão imposta ao seu povo, e tinha consciência, por isso, de que sua liderança poderia reunir em torno de si uma grande força, capaz, até mesmo, de conduzi-lo ao poder pela revolução. Esta, aliás, era a expectativa de muitos membros do Congresso Nacional Africano (CNA).

Mas Madiba - como era chamado em razão de seu clã Thembu - escolheu a via da democracia. Não o fez por medo ou ocasião, ao contrário, este era o caminho mais penoso e que exigia maior coragem para se alcançar a liberdade. Mandela optou pela democracia porque acreditava ser a única forma de garantir à sua nação a paz, a igualdade e a liberdade tão sonhadas.

 De fato, democracia não é um valor em si mesmo, mas uma forma de garantir direitos humanos universais que, em outros regimes, são profundamente comprometidos.

 Quando as Treze Colônias Americanas reuniram-se em 1776 na cidade da Filadélfia, a fim de declarar independência em relação ao Império Britânico, os líderes precisavam demonstrar ao povo uma razão suficiente pela qual lutar e, se necessário, entregar a própria vida. Thomas Jefferson foi encarregado de redigir a Declaração de Independência dos Estados Unidos, da qual se destaca este trecho inspirador:

 “Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade. Que a fim de assegurar esses direitos, governos são instituídos entre os homens, derivando seus justos poderes do consentimento (...)”.

Disso se extrai que a luta histórica por democracia é, no fundo, uma luta por liberdades, por igualdade e pela vida, pois a crença nestes valores é que nos leva à busca por uma organização social que os garanta o máximo possível.

Robert Dahl, considerado um dos maiores estudiosos da Democracia em nossa época, sempre sustentou que a Democracia é a melhor forma de governo, pois ela possibilita a garantia de um maior número de liberdades e direitos do que qualquer alternativa não-democrática.  Bingo!

Significa dizer que o regime democrático, ainda que suscetível a percalços e mazelas, é o que mais se alinha aos valores supremos da humanidade, sobre os quais todos nos debruçamos.

Devemos lembrar, portanto, de que a manutenção da democracia depende dos valores que, conjuntamente, como sociedade, concordamos em preservar. E não é suficiente que uma pequena parte concorde com isso, ao contrário, é necessário que a maioria tenha a consciência de que a nossa felicidade, a nossa realização pessoal, o bem estar da nossa família, nosso patrimônio, e tudo o que buscamos, depende da democracia.

No fundo, é para isso que servem os grandes líderes e as instituições democráticas. Para inspirar e lembrar a todos os membros de uma sociedade acerca dos supremos valores que consagramos mutuamente e pelos quais se constrói uma nação onde o ser humano é a referência.

Quando nossos líderes se aproveitam de crises e pandemias para extravasarem sua sanha autoritária e a lascívia da corrupção, ou quando se utilizam de sua popularidade para laurear a ruptura democrática e a violência, ou, ainda, quando desprezam o sofrimento do povo para dedicar-se à pura disputa por poder, estão, todos eles, em verdade, defraudando a crença de seu povo na democracia e empurrando a nação a um futuro incerto, onde os direitos e garantias, tão caros, já não mais importarão.

Nelson Mandela levou seu povo à liberdade através da democracia, pacificando seu país em um momento de crise e transformando para melhor a vida de milhões de pessoas, cujos efeitos perduram até os dias atuais.

Precisamos, portanto, de líderes no Brasil que inspirem seu povo à liberdade, à paz, ao respeito e à igualdade. Tenhamos fé na democracia, pois ela é nossa única alternativa.

(*) Jully Heyder da Cunha Souza é advogado.

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