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A raça na amamentação e alimentação infantil

Por Francielle Marques Valente e outros (*) | 17/04/2024 09:00

Questões sociais e ambientais relacionadas à raça materna, como o racismo estrutural e discriminatório, podem exercer uma forte influência no padrão de vida, renda e, consequentemente, nas escolhas alimentares de mães pretas e pardas.

A recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) é que a amamentação ocorra pelo menos até os 6 meses de vida da criança, para garantir os benefícios que o aleitamento materno proporciona, como o fortalecimento do sistema imunológico do bebê e seu desenvolvimento cognitivo.

Além disso, o Guia Alimentar para Crianças Menores de 2 Anos orienta os pais e responsáveis a oferecerem uma alimentação saudável e equilibrada durante a introdução alimentar, com alimentos regionais e caseiros que a família já consome, incluindo variações de cereais, legumes, hortaliças, frutas, carnes, ovos e tubérculos, evitando o consumo de alimentos ultraprocessados, como salgadinhos, macarrão instantâneo e refrigerantes.

Os dados do Estudo Nacional de Alimentação e Nutrição Infantil (ENANI) realizado em 2019 mostram que a prática do aleitamento materno exclusivo em crianças brasileiras menores de 6 meses é mais prevalente em crianças pretas e pardas em comparação com as crianças brancas (52,6%, 47,1% e 43,8%, respectivamente).

Embora a prevalência de aleitamento materno exclusivo tenha sido maior nas crianças negras, o mesmo estudo demonstrou que a oferta precoce de alimentos ultraprocessados foi maior em crianças pretas e pardas em comparação com as crianças brancas (85,9%, 88,0% e 83,8%, respectivamente).

O trabalho intitulado “Impacto da Raça no Tempo de Aleitamento Materno Exclusivo e Introdução de Alimentos Ultraprocessados em Crianças Nascidas em Dois Hospitais Públicos de Porto Alegre” analisou uma amostra de 224 mães autodeclaradas brancas, pretas e pardas (as mulheres pretas e pardas foram agrupadas em um único grupo: “negras”), utilizando diferentes variáveis como renda familiar, profissão, estado civil, nível de escolaridade, desemprego, amamentação e introdução de alimentos complementares.

Os resultados demonstraram que a proporção de mulheres negras solteiras, separadas ou sem companheiro foi maior do que as mulheres brancas. Além disso, a proporção de mulheres negras sem ensino médio também foi maior em comparação com as mulheres brancas.

A renda familiar das mulheres negras também foi significativamente menor do que a renda de mulheres brancas, bem como o trabalho de carteira assinada, que foi menos frequente entre as mães negras.

Quanto à amamentação, não foram observadas diferenças significativas entre as prevalências de aleitamento materno exclusivo nos primeiros 6 meses de vida. No entanto, em números absolutos foi possível observar uma prevalência maior entre as mulheres negras (36,7% vs. 24,7%).

Por outro lado, a prevalência de oferta de alimentos ultraprocessados foi maior entre as crianças filhas de mulheres negras em comparação com as filhas de mulheres brancas, corroborando com os resultados do ENANI, que também demonstraram que, apesar de a amamentação ser maior em crianças negras, essas são expostas mais precocemente a alimentos inadequados.

Embora não haja pesquisas que relacionem a situação conjugal das mulheres negras com a alimentação da criança, é provável que a solidão e o abandono vivenciados por essas mulheres impactem negativamente a alimentação da criança. A falta de apoio e responsabilidade paterna pode estar associada a piores condições de vida das mulheres e, consequentemente, das crianças.

A desigualdade na escolaridade entre mulheres negras e brancas já foi demonstrada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNADC), realizada em 2019, que apontou altas taxas de analfabetismo entre as mulheres negras em comparação com as mulheres brancas.

O resultado sobre a renda familiar encontrado no estudo também reflete os dados do PNADC, indicando que as mulheres negras recebem menos do que as mulheres brancas e ocupam uma parcela maior das profissões de trabalho doméstico sem carteira assinada.

A maior escolaridade e prevalência de trabalho formal das mulheres brancas podem ser fatores desfavoráveis para a continuidade da amamentação, devido à falta de condições no ambiente de trabalho, como local para ordenha e armazenamento do leite, e à ausência de berçários no local de trabalho.

Já o perfil econômico e de trabalho das mães negras pode contribuir para que a amamentação seja continuada, já que o desemprego faz com que essas mulheres fiquem mais tempo em casa. O alto custo das fórmulas infantis também é uma barreira para que a mãe desmame a criança no tempo desejado.

Por último, a maior oferta de alimentos ultraprocessados pelas mães negras pode ser atribuída ao acesso facilitado a essa categoria de alimentos, seja pelo ambiente alimentar em que estão inseridas, pelo seu baixo custo ou ainda pela falta de acesso a orientações adequadas quanto à alimentação infantil.

A falta de acesso aos alimentos in natura e minimamente processados (frutas, hortaliças, carnes e cereais), seja pelo preço ou pela falta de disponibilidade, também pode incentivar o maior consumo de alimentos ultraprocessados.

Uma pesquisa recente da nutricionista Daniely Casagrande demonstrou que as pessoas negras apresentam maior risco de viverem em desertos alimentares, locais que apresentam menor presença de estabelecimentos que comercializam alimentos saudáveis.

O racismo estrutural parece impactar a alimentação de crianças nascidas em Porto Alegre, favorecendo a oferta de alimentos ultraprocessados precocemente, assim como também parece impactar na condição socioeconômica das mulheres negras. Os resultados da pesquisa apontam para a necessidade de criação de políticas públicas que atentem para o impacto da desigualdade racial na alimentação de crianças filhas de mães negras.

(*) Francielle M Valente é graduanda do curso de Nutrição.

(*) Paula Ruffoni Moreira é nutricionista e mestra em Alimentos Nutrição e Saúde.

(*) Juliana Rombaldi Bernardi é nutricionista e professora do Departamento de Nutrição da Faculdade de Medicina da UFRGS.

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