Alfabetização: o nosso dever de casa
Além de 16 milhões de analfabetos, Brasil tem aproximadamente 38 milhões analfabetos funcionais, assim considerados os indivíduos acima dos vinte anos que não completaram quatro anos de ensino formal.
Em 1967 a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e Cultura (UNESCO) instituiu oito de setembro como Dia Mundial da Alfabetização, uma forma de incentivar o debate e a conscientização sobre a importância da superação do analfabetismo para o desenvolvimento social e econômico, em escala local, nacional e global.
Os dados mais recentes do IBGE apontam que em 2020 aproximadamente 16 milhões de brasileiros eram analfabetos, o equivalente a 7% da população nacional à época. Esse enorme ‘déficit civilizatório’ é o resultado constrangedor de décadas de políticas públicas mal conduzidas que, apesar de bem intencionadas, não têm logrado alfabetizar devidamente crianças, jovens e adultos do país.
O panorama sombrio de 2020 deve ter se agravado em consequência do ‘apagão’ imposto pela pandemia de covid-19 ao sistema educacional. Segundo o Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), em 2019 o Brasil tinha 1,1 milhão de crianças e jovens sem acesso a escolas. Em 2020 esse número saltou para 5,1 milhões, dos quais 41% estavam em idade de alfabetização.
A repercussão desse trágico ‘efeito colateral’ da pandemia sobre a realidade da alfabetização em nosso país só será estatisticamente conhecida nos próximos anos. Porém, as expectativas são pouco animadoras, pois muitos dos que perderam a oportunidade de se alfabetizarem no tempo certo não mais o farão.
Além de graves e crônicas defasagens do sistema educacional, agravadas pela pandemia, o Brasil convive com outro ‘fantasma’, tão real quanto grave: o analfabetismo funcional. Em 2018, estatística mais recente, o Indicador de Alfabetismo Funcional (Inaf) apontou que 29% dos brasileiros eram considerados analfabetos funcionais. Embora isso significasse uma queda de dez pontos percentuais em relação ao ano de 2001, nada sugere que tenhamos avançado significativamente, nos últimos quatro anos, para reduzir esse indicador alarmante.
No Brasil, para efeitos estatísticos é considerado analfabeto funcional o indivíduo acima de vinte anos que não completou quatro anos de ensino formal. Significa que, embora possa ler textos simples, não consegue extrair seu sentido nem é capaz de se expressar através da escrita. Também é incapaz de realizar operações matemáticas simples.
Contudo, para além de definições formais o problema assume contornos reais de graves proporções e de prolongada repercussão quando a citada pesquisa do Inaf apontou que 13% dos indivíduos que concluíram o ensino médio podiam ser considerados analfabetos funcionais. Enquanto isso, apenas 34% das pessoas que tinham ingressado no ensino superior foram consideradas proficientes – nível mais alto na escala do alfabetismo – ou seja, capazes de compreender plenamente o que leem, e de expor suas ideias em textos razoavelmente articulados.
Diante do que, além de enfrentar o ingente e urgente desafio de resgatar a vexatória e histórica dívida social e humana representada pelo analfabetismo, o Brasil precisa mobilizar todas as suas forças para superar as defasagens e distorções responsáveis pelo alto índice de analfabetismo funcional.
Com 16 milhões de analfabetos e 38 milhões de analfabetos funcionais, segundo a UNESCO, não é difícil imaginar a dimensão e a importância dessa tarefa.
(*) Iran Coelho das Neves é presidente do Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul.