Amar demais é um despreparo para a dor?
O conceito de “amar demais” é complexo e, muitas vezes, está ligado a uma ideia de entrega total, devoção incondicional e, em alguns casos, à perda do próprio senso de identidade. Amar demais pode parecer, à primeira vista, algo nobre ou desejável, mas também pode esconder uma falta de preparo para lidar com a dor e com as inevitáveis realidades da vida. A ideia de que amor em excesso é um despreparo para a dor traz à tona questões profundas sobre equilíbrio emocional, autovalorização e resiliência.
O equívoco do amor romantizado
Desde cedo, muitos de nós somos ensinados a ver o amor como algo absoluto, sem limites, uma força que justifica qualquer sacrifício. Esse ideal é alimentado por histórias, filmes e canções que romantizam o amor como o maior propósito da vida. No entanto, essa visão muitas vezes não leva em conta a complexidade dos relacionamentos humanos, que envolvem não apenas momentos de alegria e plenitude, mas também desafios, frustrações e, inevitavelmente, dor.
Amar demais, nesse contexto, pode significar que colocamos o outro no centro de nossa existência, sacrificando nossas próprias necessidades e desejos. Quando o amor é idealizado dessa forma, qualquer ruptura ou decepção pode ser devastadora, pois o indivíduo está despreparado para lidar com o sofrimento que acompanha a realidade dos relacionamentos imperfeitos.
A vulnerabilidade do amor excessivo
Quando falamos de “amar demais”, estamos nos referindo àquelas situações em que a entrega ao outro é tão profunda que a pessoa se coloca em uma posição de vulnerabilidade extrema. Amar, por si só, envolve vulnerabilidade — isso é inevitável. No entanto, quando o amor é desproporcional, essa vulnerabilidade se transforma em dependência. A pessoa que ama demais muitas vezes coloca o outro como sua principal fonte de felicidade, bem-estar e sentido de vida. Isso a deixa vulnerável à dor de uma maneira que pode ser esmagadora.
Essa vulnerabilidade exagerada pode ser um sinal de despreparo para a dor, pois a pessoa, ao se entregar completamente, muitas vezes não desenvolve a resiliência necessária para lidar com os desafios inerentes aos relacionamentos. Quando o amor é equilibrado, há um espaço para o indivíduo preservar sua autonomia, fortalecer sua autoestima e aprender a lidar com as adversidades sem que a dor se torne uma aniquilação emocional.
O medo da perda e o despreparo para a dor
Amar demais também pode estar relacionado a um medo profundo de perda. Quando o amor se torna uma necessidade absoluta, a possibilidade de perder a pessoa amada ou de enfrentar um término pode parecer insuportável. Esse medo da perda pode levar a comportamentos como ciúmes excessivos, controle e sacrifício desmedido na tentativa de manter o relacionamento intacto a qualquer custo.
No entanto, essa tentativa de evitar a dor inevitável de um possível rompimento ou decepção pode ser contraproducente. Ao tentar controlar o curso de um relacionamento para evitar o sofrimento, a pessoa que ama demais acaba se desgastando emocionalmente e frequentemente prejudica a própria relação. O despreparo para lidar com a dor faz com que a pessoa veja qualquer problema ou conflito como uma ameaça catastrófica, ao invés de uma oportunidade de crescimento ou de ajustes saudáveis dentro do relacionamento.
O papel do equilíbrio no amor
Amar de forma saudável não é amar menos, mas sim amar com equilíbrio. O amor equilibrado reconhece que, por mais profunda que seja a conexão com o outro, a individualidade de cada um deve ser preservada. Isso significa que, em um relacionamento saudável, o amor não anula a capacidade de lidar com frustrações, perdas ou mudanças. Pelo contrário, ele nos fortalece para enfrentar a dor que, inevitavelmente, surge ao longo da vida.
O amor equilibrado entende que a dor faz parte do processo de amadurecimento emocional. Não se trata de evitar a dor a todo custo, mas de aceitá-la como uma parte natural da vida e do crescimento pessoal. Esse tipo de amor permite que a pessoa se prepare emocionalmente para lidar com as dificuldades, sem perder sua identidade ou seu valor próprio.
Amor e resiliência emocional
A resiliência emocional é a capacidade de enfrentar e superar adversidades, e ela é essencial para quem deseja amar de maneira saudável. Amar demais, de forma desequilibrada, pode enfraquecer essa resiliência, pois a pessoa tende a se proteger menos da dor ou, ao contrário, tenta controlá-la de forma obsessiva. A resiliência emocional nos permite aceitar que o amor, como qualquer aspecto da vida, tem altos e baixos, e que a dor não é um sinal de fracasso, mas sim de uma jornada humana.
Quando o amor é equilibrado, a pessoa entende que a dor não precisa ser temida, mas sim enfrentada e processada. Ela aprende a se reconstruir depois de uma decepção, a crescer depois de uma perda e a continuar a amar, sem que isso signifique uma perda de si mesma. Amar de forma equilibrada nos ensina que somos capazes de lidar com a dor, e que o amor, quando saudável, não nos esgota, mas nos fortalece.
Amar demais, quando desequilibrado, pode, de fato, ser um despreparo para a dor, pois coloca o indivíduo em uma posição de vulnerabilidade extrema e dependência emocional. No entanto, quando o amor é vivido de forma saudável e equilibrada, ele não só nos prepara para a dor, como também nos ajuda a enfrentá-la com resiliência e maturidade. O segredo não está em amar menos, mas em amar de forma consciente, preservando a autonomia, a individualidade e o entendimento de que a dor faz parte do processo de amadurecimento emocional.
Amar demais, sem equilíbrio, é como construir um castelo de areia: bonito e envolvente, mas vulnerável à primeira onda de adversidade. Amar com equilíbrio, por outro lado, é como construir uma casa sólida — capaz de resistir às tempestades e, ainda assim, proporcionar abrigo, segurança e conforto.
(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.
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