Aprendizagem infantil não é escolha da sociedade é dever do Estado
O Artigo 205 da Constituição Federal diz que a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Ainda segundo a Constituição, o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos de idade e o dever dos pais será efetivado através da matrícula do filho na rede oficial de ensino a partir dos quatro anos, nos termos do art. 55, do Estatuto da Criança e Adolescente e com a efetiva participação nas atividades escolares.
Desta forma, a matrícula e frequência das crianças na rede oficial de ensino (pública ou privada) é obrigatória, podendo os responsáveis legais sofrerem processos na Vara da Infância e até criminal.
Ainda não há autorização ou regulamentação do denominado homeschooling (educação escolar em casa), embora tramite o Projeto de Lei nº 3.262/2019, que altera o art. 246, do Decreto-Lei nº 2.848 (Código Penal), fazendo com que a modalidade educacional não seja mais enquadrada como crime de abandono intelectual.
Mas, por que a educação na rede oficial de ensino é um direito da criança e do adolescente? A não obrigatoriedade de frequência da criança na rede oficial de ensino poderá acarretar desproteção, seja pela ausência de educação adequada - ausência de intencionalidade pedagógica ou por nenhuma educação, seja por ser a escola um espaço privilegiado de construção de competências socioemocionais pela diversidade e pluralidade cultural que as crianças e adolescentes têm acesso. A escola é determinante no desenvolvimento das habilidades cognitiva, social e emocional.
É na escola que ocorre a aprendizagem para a liberdade e formação do protagonismo da criança e se restrita o núcleo familiar, há o risco de não existir oportunidades de contato com a sociedade, com a diversidade que se tem numa escola, pública ou privada de qualidade.
Causa séria preocupação a possibilidade de retrocesso no direito à educação que pode motivar evasão escolar, violência doméstica (física, sexual e psicológica) e o trabalho infantil. Principalmente no contexto da pandemia de Covid-19, em que se mostra urgente a discussão do efetivo acesso à educação, o retorno seguro das escolas e as estratégias para recuperar os direitos de aprendizagem das crianças e adolescentes, decorrentes dos graves problemas causados pelo ensino remoto.
A pandemia da COVID 19 colocou em risco vários avanços constatados nas últimas décadas, tais como acesso aos serviços de saúde, cobertura vacinal, matrícula e frequência escolar, diminuição do trabalho infantil e da violência intrafamiliar contra crianças e adolescentes e segurança alimentar. Os danos ao psiquismo infantil por conta do isolamento social e estresse tóxico vivenciado nesse período também aumentam as chances de desenvolvimento de comportamentos de risco pelos adolescentes, como automutilação e consumos de drogas lícitas e ilícitas.
O Estado tem o dever inescusável, indelegável e inadiável de assegurar o mínimo existencial, incluindo educação, para aqueles a quem foi confiado, ainda que involuntariamente, o futuro da nação. Investir na infância é investir no Brasil.
(*) Kelly Neves é diretora de Interior da AMAMSUL e juíza Titular da 2ª Vara de Aparecida do Taboado.