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As temáticas africana e indígena na Educação Infantil

Por Kleber Gomes (*) | 13/09/2024 13:30

São inúmeros os motivos pelos quais professores/as da Educação Infantil por todo o Brasil enfrentam desafios no tocante ao ensino das temáticas africana e indígena. O presente artigo intenta provocar reflexões, no objetivo de que soluções sejam encontradas para que os obstáculos sejam superados, quando educadores/as debruçam-se sobre o assunto e se desdobram em ações relacionadas a esse importante assunto que, diariamente, deve ser tratado nas salas de aula país afora.

Atualmente, em nossa Escola Municipal Professora Arlene Marques Almeida, em Campo Grande/MS, desenvolvemos, nas turmas de Educação Infantil, um projeto que destaca a cultura e a história dos povos africanos. Temos por aqui trabalhado a temática, para que a culminância seja realizada na data em que pela primeira vez no Brasil será celebrado como feriado o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, dia 20 de novembro próximo.

Em nosso projeto local, são chamados/as para as ações não somente os/as regentes das turmas da pré-escola, como também os/as demais professores/as dos componentes curriculares presentes na Educação Infantil, Arte e Educação Física.  Todos/as, portanto, imbuídos de levar às crianças informações e elementos da história de presente e também de passado de como se formou a atual estrutura do país chamado Brasil. Nosso objetivo, partindo-se das crianças no chão da escola, compreende, da mesma forma, alcançar as famílias envolvidas com o dia a dia da comunidade escolar e que, não menos, são alvo da conscientização do combate a todos e quaisquer tipos de preconceitos hoje existentes com relação aos/às negros/as e aos/às indígenas.

Histórias contadas cotidianamente em salas da Educação Infantil pelo Brasil, nas quais há uma Rapunzel loira e um Pequeno Príncipe branco, são alguns dos exemplos que trazem as realidades do etnocentrismo e da invisibilização dos/as negros e dos/as indígenas em vários contextos da sociedade e também em ambientes escolares. Fazer frente a essas realidades, pelas quais apenas uma presença é destacada, no caso a da branquitude, é algo urgente, onde se destaca a enorme importância dos/as professores/as junto aos/às seus/as alunos/as com ações e atividades pontuais, com o fim de superar essas ausências dos/as negros/as e dos/as indígenas nos currículos escolares por todo o país.

Parte da superação citada acima tem seu início concreto com professores/as que imprimem intencionalidade educativa às práticas pedagógicas em todo o percurso da Educação Infantil. Surgem ambientes, nos quais essa intencionalidade é colocada em prática, em que os/as educadores/as compreendem que toda uma hegemonia eurocêntrica precisa ser enfrentada no dia a dia da sala de aula. A Educação Infantil é o espaço para a criação de oportunidades que direcionem as crianças ao contato com outros grupos sociais e culturais, outros modos de vida, diferentes atitudes, técnicas e rituais de cuidados pessoais e do grupo, costumes, celebrações e narrativas.

As experiências vivenciadas pelos/as alunos/as na Educação Infantil tendem a ampliar o modo de perceber a si mesmas e ao/à outro/a, valorizar sua identidade, respeitar os/as outros/as e reconhecer as diferenças que os/as constituem como seres humanos. O/a professor/a nessa modalidade vê em seu trabalho diário na sala de aula, partindo-se dos momentos de planejamentos, oportunidades pelas quais reflita, selecione, organize, sistematize, medie e monitore o conjunto das práticas e interações.  Garante-se, por meio desse esforço, a pluralidade de situações que promoverão o desenvolvimento pleno das crianças.

As experiências que ocorrem no dia a dia nas salas de aula da Educação Infantil contribuem para que as crianças tenham o desenvolvimento de seu senso estético e crítico e do conhecimento de si mesmas, dos outros e da realidade na qual estão inseridas. Essa inserção tem a ver com espaços e tempos de diferentes dimensões, em um mundo palco de fenômenos naturais e socioculturais. E, no dia a dia da sala de aula, os/as alunos/as demonstram enorme curiosidade sobreo mundo sociocultural, neste que é, inegavelmente, o lugar de existência da diversidade entre as pessoas.

Com base no escrito até aqui, as instituições escolares ligadas à Educação Infantil assumem o compromisso na criação de oportunidades para que seus/suas alunos/as tenham ampliados seus conhecimentos do mundo físico e sociocultural. É esse o conjunto de passos iniciais para que as crianças passem a utilizar desses conhecimentos específicos em seu cotidiano. Aqui encontramos bases sólidas e inspiração para o desenvolvimento de nosso projeto local. As presenças indígena e afro se mostram bem reais em nossa comunidade e por que não poderíamos trabalhar de formas bem vivas e pontuais tais assuntos?

A perpetuação de estereótipos, infelizmente, segue bem forte nos currículos escolares, nos planeamentos de aulas, nas salas e nas instituições educacionais brasileiras. Não é raro encontrar, por exemplo, educadores/as que, ao ensinarem a respeito da vogal I, colocam a imagem de um indígena e logo abaixo a palavra "índio". Ensina-se desde cedo, assim, o/a aluno/a a se referir a um indígena como o "índio", reforçando um pensamento de tempos, pelo qual grande parte do país imagine os povos originários ligados apenas a uma singularidade engessada e congelada a um tempo e a um espaço apenas. Invisibiliza-se, com isso, a riquíssima presença indígena plural por todo o Brasil, na verdade as presenças dos povos originários em inúmeros contextos do território nacional, desde um povo ainda em isolamento voluntário na imensidão da Floresta Amazônica até uma das aldeias urbanas fixadas no frenético contexto urbano da cidade de Campo Grande a capital do estado de Mato Grosso do Sul.

As crianças na Educação Infantil precisam estar em contato constante com brincadeiras, contos, africanos e indígenas, no objetivo concreto de que, nessa tenra idade, esses/as alunos/as passem a compreender que o mundo à sua volta e no qual estão inseridos não foi formatado apenas por traços e bases eurocêntricas. A unidade de propósitos nesse sentido deve englobar gestores públicos, sistemas de ensino públicos e privados, gestores escolares, coordenadores pedagógicos e professores/as no dia a dia das salas de aula. Assim reforça-se o combate aos preconceitos, às discriminações e aos episódios de racismo que ainda, teimosamente, insistem em permanecer nos cotidianos dos espaços escolares e na realidade atual de vários locais e ambientes da sociedade brasileira.

Projetos no quais sejam trabalhadas a história e a cultura africanas e indígenas contribuem na produção de material didático de qualidade e com atualizações periódicas que estejam à disposição dos/as professores/as, para que os planejamentos realizados contemplem a inserção dessas temáticas. As formações continuadas de professores/as, nas quais esses importantes assuntos sejam inseridos, passam a mudar a realidade nas salas de Educação Infantil, pois esse conhecimento passa a ser contemplado nas aulas ministradas às crianças, sendo importante e indispensável elemento na formação dos/as pequenos/as em sua cidadania plena a ser efetivada ao longo dos anos.

Por fim, almejamos que nossa experiência local seja um convite e ao mesmo tempo, inspiração e motivação, a outras unidades escolares do país inserirem no dia a dia da sala de aula da Educação Infantil a temática da história e da cultura afro e indígena, para que o Brasil saiba muito mais da realidade enfrentada ao longo da história por esses povos e também das presenças atuais negra e dos povos originários na continuidade da escrita da história do país.

* Indígena terena, professor de Educação Infantil e Anos Iniciais na Rede Municipal de Ensino (REME) de Campo Grande/MS e mestre em Ensino de História pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS)

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