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Contradições raciais no conflito Rússia x Ucrânia

Afrânio Mendes , Eunice Aparecida, Ricardo Alexino e Rogério de Almeida, e outros autores (*) | 28/03/2022 13:30

A consolidação da Revolução Tecnológica da Informação aprofundou, por meio de plataformas, a globalização, permitindo ainda mais a constatação das notícias em tempo real. Entre essas notícias, destaca-se o conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

Nesse conflito foram constatadas contradições nas relações raciais, revelando inequívoco racismo com a população civil no momento em que esta busca se evadir da guerra. Foi motivo de notícia confirmada na imprensa internacional o caso de populações de origem africana e asiática, incluindo crianças, mulheres e jovens, que têm sido vítimas de discriminação racista, uma vez que foram retiradas dos transportes coletivos que tinham como destino o além-fronteiras da Ucrânia. Tem sido ainda constatado que essa contradição é também reproduzida no acesso às ajudas humanitárias, situações de racismo omitidas por alguns setores da imprensa internacional outros veículos que as replicam em suas coberturas jornalísticas.

Infelizmente, vivemos dias em que os exemplos de como o racismo se estrutura nas práticas sociais e nos imaginários unem a tragédia da guerra na Ucrânia à tragédia do racismo. Nas práticas sociais, foram noticiados casos em que pessoas negras, africanas e seus descendentes, se viram impedidas de usar transportes de pessoas refugiadas da guerra, sendo obrigadas a sair dos meios de transporte e caminhar longas distâncias (25 a 32 km) para dar lugar em ônibus e trens às pessoas brancas.

Foram noticiados dois casos de crianças negras que foram retiradas do ônibus para dar lugar às crianças brancas, e o argumento foi que, por serem negras, seriam mais fortes para enfrentar as intempéries da viagem a pé. As condições de desumanização, sujeitas ao frio, à fome, à insalubridade, à ausência de assistência, foram reservadas para as pessoas negras. O racismo foi noticiado, e líderes de países africanos fizeram apelos humanitários às autoridades ucranianas, e sua evidência estava também nas autoridades polonesas, que negaram ou atrasaram em dias a entrada de refugiados negros. As pessoas que foram discriminadas incluíam indivíduos de classe média/alta, como alguns jogadores brasileiros de futebol que buscavam refúgio e denunciaram, eles mesmos, a discriminação em redes sociais.

No plano simbólico, o racismo mostrou-se estrutural no discurso do jornalismo internacional. Jornalistas de diversas redes tiveram afirmações racistas destacadas e criticadas em redes sociais. O conjunto de afirmações revela uma normatividade branca e europeia que opera com sentidos do racismo que propõe uma “estética ariana”, que compreende que traços de aparência de europeus do Norte são superiores. O fato de as diversas falas ocorrerem em tão múltiplos veículos de comunicação mostra a dimensão de quanto a normatividade branca europeia e os sentidos de superioridade ariana estão arraigados no imaginário, ocorrendo de forma muitas vezes não refletida/reflexiva nos discursos de uma grande multiplicidade de jornalistas e de meios midiáticos. A cobertura midiática orientada pelo racismo discursivo e estruturado nos imaginários sociais, também fica explícita nas marcas discursivas, consoante aos recortes das reportagens: as marcas de aparência (“olhos azuis e cabelos loiros”), de identificação mútua (“se parecem conosco”; “essa gente se parece conosco”); de normatividade de modelo de família europeia (“se parecem a qualquer família europeia que vive ao nosso lado”), de “civilidade europeia” (“cidade europeia”; “cidade civilizada”); de expurgo do outro (“não são refugiados do Oriente Médio ou do norte da África”; “fogos de mísseis de cruzeiro como se estivéssemos em Iraque ou Afeganistão”; “não estamos falando de sírios fugindo… estamos falando de europeus”).

Temos, portanto, exemplos de como a forma de acreditar na superioridade e modelo estético nórdico-europeu, de suposta civilidade europeia, de modelo familiar como formas de superioridade branca-nórdica, em oposição ao outro racializado e inferiorizado.

Diante dessa situação, em que se evidencia o racismo, nós, pesquisadores e pesquisadoras, professoras e professores, chamamos a atenção dos organismos internacionais para que concorram em proveito do fim desse violento e hediondo crime que tem constrangido a comunidade internacional.

(*) Afrânio Mendes Catani, Eunice Aparecida de Jesus Prudente, Ricardo Alexino Ferreira e Rogério de Almeida, professores da USP, e outros autores.

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