Crise climática, segurança energética e alimentar
Chamado a debater sobre crise climática e sustentabilidade no Dia Mundial do Meio Ambiente, não pude deixar de incluir dois outros elementos nessa discussão: a segurança energética e alimentar. Entendo que não há como dissociar esses debates. A crise climática está diretamente relacionada com a crescente demanda por energia e alimentos, em um mundo cada vez mais lotado e enriquecido, conectado e interdependente.
Vamos começar pelo começo. Somos oito bilhões de habitantes, caminhando para nove bilhões nos próximos 25 anos. Apesar de exceções associadas a guerras e sistemas totalitários Mundo afora, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelas Nações Unidas, mostra que a esmagadora maioria dos países está melhorando significativamente nos últimos 30 anos. Com isso, espera-se que 1,5 bilhão de seres humanos entrem para a chamada classe média mundial até 2050. Qual o resultado disso? Muito mais gente andando por aí e com melhores condições financeiras, comendo mais e gastando mais energia.
Mas o que isso tem a ver com a crise climática? Tudo! As emissões anuais de gases de efeito estufa, que são os responsáveis pelas mudanças do clima, estão associadas basicamente à produção de energia (73%) e às mudanças no uso da terra (18%). O maior problema está na produção de energia, uma vez que 86% da energia consumida no mundo vem de combustíveis fósseis! O tema da transição energética de uma matriz poluidora para fontes renováveis seguramente é o maior desafio da crise climática. Os elevados custos dificultam essa transição.
As mudanças no uso da terra envolvem desmatamento, agricultura e produção animal. Embora seja um problema menor, o aumento na demanda por alimentos pode provocar a elevação das emissões. Certamente um Mundo mais populoso e rico vai consumir mais alimentos e a segurança alimentar será um componente importante nessa equação. Quando se coloca na balança a garantia de um suprimento adequado de alimentos para a população, os esforços de redução de emissão parecem ser menos importantes.
E o Brasil, como estamos nessa tríade: clima, energia e alimento! O país é referência em termos de matriz energética limpa, com 49% de renováveis, contra 14% na média dos demais países. Quando falamos de energia elétrica (aquela que vai abastecer os carros elétricos), temos 87% de renováveis, contra uma média mundial de 30%. Ou seja, as emissões relacionadas a um carro elétrico abastecido no Brasil são muito menores do que aquelas observadas quando se utilizam tomadas europeias ou norte-americanas. Importantes cadeias de biocombustíveis de primeira geração estão consolidadas, como o etanol (cana e milho), biodiesel e biometano.
Somos fortemente competitivos em biocombustíveis de segunda geração, como o diesel verde e o combustível sustentável de aviação. Também temos o potencial de protagonismo na produção de hidrogênio renovável e células combustível à base de etanol.
Quando falamos de alimentos, o Brasil é responsável por 10% da produção e 8% das exportações globais. Segundo cálculos da Embrapa, alimentamos 800 milhões de pessoas pelo Mundo! Fazemos isso utilizando 30% da área do país, enquanto os Estados Unidos utilizam 74% do seu território para produção agrícola.
Somos referência em agricultura de baixo carbono, com plantio direto, integração lavoura pecuária, bionisumos, duas a três safras por ano na mesma área. Além disso, em função de um histórico de subutilização de quase 60% das pastagens no país, temos o potencial de intensificar perto de 30 milhões de ha sem derrubar uma árvore. Em outras palavras, temos terras já antropizadas e tecnologias disponíveis para dobrar a produção de alimento no país, utilizando sistemas de baixas emissões de gases de efeito estufa.
Nessa Dia Mundial do Meio Ambiente, entendo que deveríamos priorizar três agendas para o Brasil: (i) atacar fortemente o desmatamento ilegal (com comando e controle) e o legal (com estímulos à manutenção das florestas em pé); (ii) centrar esforços para o constante aprimoramento e expansão dos sistemas agroalimentares de baixas emissões de carbono; e (iii) estimular fortemente as cadeias da bioenergia, para ampliar a produção de combustíveis renováveis de primeira e segunda geração. Se fizermos bem nosso dever de casa, podemos, ao mesmo tempo, combater a crise climática e contribuir para a segurança alimentar e energética mundial.
(*) Renato Roscoe é engenheiro agrônomo e diretor do Instituto Taquari Vivo.
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