Decisão do STF restringe os “medicamentos de alto custo”
Quais são os medicamentos que o Estado deve fornecer por ordem judicial ao paciente?
Já há algum tempo, o Brasil padece de um fenômeno que juristas, gestores da saúde e a
impressa têm chamado de judicialização da saúde.
Quando as pessoas não conseguem pela via comum tratamento, medicamentos ou os insumos
necessários à manutenção ou recuperação de sua saúde e/ou bem-estar, procuram o judiciário
para forçar o Estado ou operadoras de planos de saúde a fornecerem aquilo de que
necessitam.
Embora o Brasil tenha os juízes mais produtivos do mundo, conforme relatório do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), sua justiça é uma das mais morosas e sobrecarregadas do planeta,
com cerca de 80 milhões de processos tramitando em 2018, resultado da cultura brasileira da
judicialização.
No que se refere à judicialização da saúde, muitas demandas poderiam ser evitadas se a
população tivesse conhecimento dos caminhos institucionais do SUS, ou seja, muitos
processos poderiam ser evitados, se a população soubesse como, onde, e de que forma
procurar os serviços do SUS.
Críticas à parte, em muitos casos a judicialização da saúde é a última alternativa que resta ao
cidadão. O rol daquilo que se pede é enorme a quantidade de ações em trâmite sobre o tema,
é ainda maior. Infelizmente, muitos casos somente são julgados após o falecimento da pessoa
que necessitava do socorro do Estado para sobreviver.
Recentemente, em mais um dos casos em que o julgamento final foi realizado somente após o
falecimento da autora do processo - reflexo do excesso de judicialização - o STF julgou o
Recurso Extraordinário (RE) nº 657718, no caso que ficou conhecido, inapropriadamente,
como o “julgamento sobre fornecimento de remédio de alto custo” em que se discutia a
obrigatoriedade do Estado em fornecer medicamentos sem o registro na Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (ANVISA).
Antes de prosseguir, vale registrar, que o julgamento não se referia somente a medicamentos
de alto custo, mas a todos os remédios sem registro na ANVISA. Medicamentos sem registro
costumam ter valores elevadíssimos, já que na maioria das vezes precisam ser importados, não
se sujeitando ao controle de preços que é realizado pela ANVISA.
A decisão final, que serve de parâmetro e deverá ser seguida pelos Juízes e Tribunais, para
todas as ações que versem sobre o mesmo assunto, declarou que o Estado não pode ser
obrigado a fornecer medicamentos experimentais ou sem o devido registro na ANVISA.
Excepcionalmente, entretanto, medicamentos sem registro na ANVISA poderão ser entregues
mediante decisão judicial.
É importante esclarecer que não está proibido o fornecimento de medicamentos sem registro
prévio na ANVISA, somente medicamentos experimentais, que ainda não tenham sua eficácia
comprovada. Tal medida, serve para evitar, por exemplo, que o medicamento experimental
produza efeitos colaterais e cause danos ao organismo dos que se utilizam dele.
Quem não se lembra da fosfoetanolamina, a pílula do câncer? Embora não se tenha registro de
efeitos colaterais, da mesma forma, não se tem comprovação científica de sua eficácia.
Se o medicamento foi registrado, mas ainda não foi aprovado – o prazo para análise da ANVISA
é de 356 dias – excepcionalmente o judiciário poderá determinar seu fornecimento pelo
Estado. Neste caso, é necessário que referido remédio já tenha registro em renomadas
agências de regulação no exterior, como a FDA (Food and Drug Administration) nos EUA ou na
EMEA (European Medicine Agency) na União Européia, e ainda que não exista outro tipo de
tratamento terapêutico no Brasil que possa substitui-lo com a mesma eficiência.
Por fim, o julgamento definiu que em caso de demora da ANVISA superior a 1 ano para o
registro do medicamento, a ação necessariamente deverá ser proposta contra a União na
Justiça Federal, isso porque a ANVISA integra a estrutura da Administração Pública Federal,
sendo injusto condenar-se Estados e Municípios (entes federativos que não são responsáveis
pelo registro de medicamentos) a custeá-los.
Na pratica, a decisão do STF representa um avanço ou retrocesso?
As diretrizes traçadas na decisão proferida pelo STF delimitaram os contornos para o
fornecimento de medicamentos sem o registro na ANVISA, impondo algumas barreiras para os
pedidos judiciais e sua aquisição forçada pelo Estado.
A organização pensada pelo STF era necessária, sobretudo para evitar-se o desperdício de
dinheiro público para aqueles casos em que alguns poucos eram privilegiados em detrimento
da maioria, otimizando a utilização dos poucos recursos existentes na coordenação de políticas
públicas para área da saúde.
A decisão do STF, sem sombra de dúvidas, traz mais consequências positivas na esfera dos
interesses coletivos do que individuais. Mas isso não significa dizer que as portas do judiciário
estarão fechadas àqueles que necessitem de medicamentos para sobreviver ou melhorar sua
qualidade de vida.
Necessitando de insumos, medicamentos ou qualquer tipo de tratamento médico, o cidadão
que tiver seu pedido administrativo negado, deverá se socorrer à Defensoria Pública ou a um
advogado especialista no assunto, que certamente saberão orientar da melhor forma possível,
qual o caminho que deverá percorrer.
Acima de tudo, nunca é demais lembrar que a própria Constituição Federal estabelece que a
saúde é um direito de todos e um dever do Estado!
(*) artigo produzido com base no relatório: Judicialização da Saúde no Brasil: perfil das
demandas, causas e propostas de solução de 2018, bem como no julgamento realizado pelo
STF do RE nº 657718 que definiu a questão relativa a obrigatoriedade do Estados em fornecer
medicamentos sem o registro na ANVISA.
(*) Thiago Noronha Benito, advogado no escritório MH Flores Advogados Associados, pós-
graduado em Processo Civil e Direito Civil, pós-graduando em Direito
Médico, membro da Comissão de Direito Médico, Sanitário e da Defesa da Saúde da OAB/MS.