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Design para incentivar crianças a provarem novos alimentos

Carolina Borges Masuero e Eduardo Cardoso (*) | 06/08/2021 13:14

A alimentação saudável contribui para diminuir a incidência de problemas de saúde que afetam a população, e uma das maneiras de alcançá-la é por meio de uma dieta variada de alimentos. Os anos iniciais de vida são fundamentais para a criança aprender a gostar de novos sabores e se acostumar com novos alimentos, principalmente porque esses hábitos alimentares criados nessa fase tendem a se perpetuar para o restante de sua vida adulta, segundo Rozin e Vollmecke.

Um comportamento que dificulta uma maior variedade de alimentos em uma dieta infantil é a neofobia alimentar. Segundo Dovey et al., é a relutância ou rejeição do indivíduo em relação a alimentos novos, não familiares ou desconhecidos, criando preconcepções com base principalmente no aspecto visual do alimento. Essa dificuldade alimentar tem como consequência o consumo de uma pequena variedade de alimentos e, por conseguinte, o não atendimento de forma completa das necessidades nutricionais do organismo. Um levantamento realizado por Faccin, em 2013, em Porto Alegre, com 113 crianças de seis anos, revela que aproximadamente 41% delas apresentava neofobia de nível médio e 20% de nível alto.

Segundo Spagnola e Fiese, o momento de comer e se alimentar na mesma mesa junto com os familiares também é uma cerimônia simbólica que proporciona a ambas as partes oportunidade para conversar, expressar seus sentimentos e criar uma rede de apoio. Essa ocasião torna-se um palco para desenvolver laços mais fortes entre familiares e aumentar a percepção de comunidade dentro da casa, assim como oportuniza que habilidades de comunicação e sociabilidade sejam desenvolvidas e postas em prática pela criança.

O ato de cozinhar em família permite desenvolver uma maior conexão entre responsáveis e crianças, além de estimular a empatia pelo outro, como ao refletir sobre qual receita pode ser apreciada por todos os envolvidos em uma refeição, de acordo com Simmons e Chapman. Ademais, envolver crianças na experiência culinária resulta em um aumento de confiança, sentimento de independência e maior facilidade de experimentar alguma comida nova com prazer, como mostram Hyland et al., pois elas estarão inseridas em um ambiente de aprendizagem segura e praticando uma atividade divertida, como afirma Van Der Horst.

Como trabalho de conclusão do curso de Design Visual, foi proposto o projeto de um clube de assinatura mensal que proporcione experiências culinárias para serem realizadas em família com o objetivo de reduzir a neofobia alimentar infantil e fortalecer as relações entre responsáveis e crianças. Com base em um processo centrado no usuário, o projeto foi composto por uma etapa de imersão no tema, seguida por organização e análise dos dados coletados, desenvolvimento de alternativas e finalizado pela definição do produto e suas especificações.

A partir de um conceito focado na imaginação, criação e descoberta, além do fortalecimento do vínculo familiar, foi desenvolvida a experiência nomeada Quitut!. Considerando como usuários crianças de 4 a 6 anos e seus responsáveis, o clube de assinatura tem como propósito introduzir alimentos novos de forma lúdica como uma maneira de auxiliar a criança a ter uma relação saudável com a alimentação e a desenvolver o hábito de uma dieta variada e equilibrada, visando, assim, uma melhor qualidade de vida. Procurou-se proporcionar experiências de descoberta tanto de sabores quanto de novas habilidades às crianças e aos seus responsáveis.

Os elementos do kit e sua dinâmica foram projetados entendendo que experimentar um alimento novo é uma ocasião de ansiedade e de vulnerabilidade. Dessa forma, buscou-se criar um momento imersivo para apresentar o alimento de forma amigável e em um contexto de brincadeira, envolvidos em uma temática e storytelling, em que o ato de preparar uma refeição é entrelaçado a uma série de outras atividades lúdicas. A participação ativa e colaborativa da criança no processo com seu responsável, principalmente na preparação da receita adequada à sua idade, gera aumento de confiança e sentimentos de propriedade, aumentando a chance de experimentar o novo alimento com prazer, ou pelo menos sem rejeição. O caráter lúdico e amigável do projeto, que colabora em aliviar a pressão e estresse em experimentar um alimento novo, é reforçado pela abordagem tanto visual quanto verbal empregada.

A experiência do kit compreende desde o momento de abertura da embalagem até a ocasião da refeição e inclui itens diferentes e surpresas a cada mês para auxiliar na criação de uma atmosfera imersiva e envolvente. A intenção de envolver a criança em uma experiência periódica e contínua com itens surpresa a cada mês, sem, no entanto, sobrecarregar a rotina da família, gera expectativa aos envolvidos, além de se tornar um momento propício de entretenimento e integração, principalmente em um contexto pandêmico. Acredita-se que esse caráter de frequência do produto resulte na criação de apego dos usuários à marca, além de proporcionar experiências que servirão de palco para a criação de memórias afetivas pelos envolvidos.

Em testes com os usuários do projeto – crianças e responsáveis – foi possível observar a capacidade do produto de proporcionar vínculo e colaboração entre familiares durante o seu uso. Além disso, verificou-se que a dinâmica projetada foi efetiva, uma vez que propiciou uma mudança positiva de percepção de uma criança a um ingrediente em relação ao qual apresentava comportamento neofóbico. Ao final das atividades propostas, a criança experimentou o alimento inicialmente rejeitado. A experiência facilitou, assim, que o primeiro passo para a inclusão do alimento na dieta, e talvez o mais difícil, fosse superado. A experiência culinária Quitut!, concebida para ser realizada periodicamente em família, mostrou, assim, ser efetiva como contribuição para a redução da neofobia alimentar infantil e para o fortalecimento das relações entre responsáveis e criança(s).

(*) Carolina Borges Masuero é graduanda do curso de Design Visual.
(*) Eduardo Cardoso é professor do Departamento de Design e Expressão Gráfica.

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