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Dia mundial das abelhas: dia de se conectar à natureza e à biodiversidade

Por Antônio José Camillo de Aguiar (*) | 20/05/2024 08:30

A promoção de um dia só para abelhas se deve à necessidade de reconhecimento da conservação destes organismos e da sua importância fundamental no equilíbrio dos ecossistemas e na produção de alimentos para a humanidade. As abelhas são responsáveis pela reprodução de ao menos 70% de todas as plantas com flores, e podem aumentar a produção de várias plantas de importância econômica como café, soja e girassol.

Atualmente, as abelhas são organismos super populares que concorrem com ursos panda, baleias, unicórnios em livros infantis, pijamas e cadernos escolares. O urso panda já virou a página da história da conservação por seu carisma e pelo esforço dos gestores mundiais na preservação do seu habitat natural. As maioria das 17 espécies de baleias que existem também já estão mais tranquilas e em população crescente nos oceanos, apesar de terem que conviver com enormes quantidades de plástico nos oceanos.

Daí você me pergunta, "E as abelhas, como elas estão?" Minha reposta rapidamente será: "De qual abelha você está falando? São cerca de 30 mil espécies de abelhas no mundo, milhares no Brasil, e centenas de espécies no Cerrado. Algumas abelhas estão muito mal, à beira da extinção, e outras muito bem." Mesmo em áreas pequenas podemos encontrar de espécies de abelhas nativas no Cerrado com distribuição super restrita, algumas endêmicas a pequenas chapadas ou vales.

Definir a condição da saúde da população de uma espécie de abelha está muito ligado ao ambiente onde ela vive. No Cerrado, temos muitas espécies únicas e de distribuição restrita que estão suscetíveis à extinção. Com o avanço dos estudos e maior conhecimento taxonômico, vamos reconhecendo que várias espécies antes tratadas como uma só, na realidade representam espécies distintas e que muitas vezes estão ameaçadas de desaparecer.

No Vale do Paranã, entre Goiás e Tocantins, há uma espécie com distribuição super restrita a ambientes de rochas de calcário e com uma planta especializada. Esta abelha - Centris thelyopsis, habita uma região com alto interesse pela mineração e alta devastação ambiental. Sem nenhuma área de conservação, é um sinal claro de que essa espécie está na iminência de desaparecer.

Na APA do Cabeça de Veado, em Brasília, há ao menos duas espécies descritas com distribuição restrita a essa área, e que estão cada vez mais isoladas pela crescente urbanização do DF. Com certeza há muitas espécies que estão sendo extintas pela supressão da vegetação em suas áreas de vida e nem chegamos a conhecê-las.

Exemplo disto é a região das florestas semidecíduas, famosas por suas perobas rosas no estado de São Paulo e norte do Paraná, que rapidamente foram completamente suprimidas no século passado, sem que tenha havido tempo de conhecer o que existia dentro delas.

Há registro histórico de uruçu-boi, Melipona fuliginosa, para essa região das matas de peroba de São Paulo, uma das abelhas mais fantásticas do Brasil, que foi provavelmente extinta destes estados juntamente com outras. Outro caso alarmante que podemos citar, é o caso da Melipona scutellaris, popularmente conhecida como uruçu-do-nordeste, abelha ícone presente na música Morena Tropicana de Alceu Valença, "saliva doce, doce mel, mel de uruçu".

Essa espécie praticamente está extinta das áreas de Mata Atlântica, pois seu habitat natural foi dizimado pela expansão da cana-de-açúcar. Outras espécies mesmo de abelhas passíveis de criação racional passam por um processo delicado, pois não há um conhecimento aprofundado sobre a saúde das populações, que por vezes passam por hibridização entre populações, processo que pode levar à perda de variabilidade genética e maior vulnerabilidade à extinção.

A extinção das florestas exuberantes do norte do Paraná e de São Paulo, e tão quanto do Nordeste, é um exemplo claro do que aconteceu e pode vir a acontecer no Cerrado e na Amazônia, levando à extinção das espécies ali existentes. Em menor e maior escala, este processo de supressão das áreas naturais e das espécies de abelhas ali presentes continua ocorrendo.

Um patrimônio natural e econômico vai sendo perdido para sempre. A moratória do desmatamento do Cerrado em determinadas regiões de elevado endemismo e expansão agrícola, como os cerrados rupestres do DF e as Chapadas do Matopiba, e a definição de novas unidades de conservação é urgente para garantir a sobrevivência das abelhas em seu ambiente natural.

Vemos que existem enormes lacunas e deficiências de conhecimento sobre a biodiversidade de abelhas. Na UnB, no Laboratório de Abelhas, projetos focam especialmente na análise da distribuição das espécies, suas alterações no passado e presente e no reconhecimento de possíveis espécies novas para ciência. Existem vários coletivos e grupos de estudo e pesquisa com abelhas, especialmente em Brasília.

Na Universidade de Brasília, na Embrapa, no ICMBio, na SEEDF, nas associações de criadores (AMe-DF), Associação A.B.E.L.H.A, Emater e no Ibram, as abelhas são tema de pesquisa, conservação e educação. São vários grupos integrados com um objetivo maior de conhecer e conservar estes importantes organismos. Há muito trabalho pela frente para garantir a sobrevivência destes organismos que são fundamentais no equilíbrio delicado entre a natureza e o ser humano.

(*) Antônio José Camillo de Aguiar é professor do Departamento de Zoologia da Universidade de Brasília.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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