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Envelhecer é sinônimo de doença?

Marcia Regina Cominetti (*) | 20/04/2023 13:30

A Organização das Nações Unidas estabeleceu o período de 2021-2030 como a década do envelhecimento saudável.

Mas o que é envelhecimento saudável? Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é o processo de executar tarefas cotidianas, simples ou complexas, necessárias para uma vida independente e autônoma na sociedade, o que possibilitará o bem-estar na velhice.

Nesse contexto, o conceito de envelhecimento saudável se aproxima da definição de senescência: alterações no organismo ao longo do envelhecimento, que ocorrem na ausência de doenças incapacitantes. Por outro lado, a senilidade está associada com o envelhecimento acompanhado de doenças. Por exemplo, na senilidade surgem doenças crônicas, como as cardiovasculares, diabetes, demências, câncer, dentre outras. Entretanto, alterações senescentes, como cabelos brancos, rugas, perda de massa muscular, redução da estatura, redução da visão (presbiopia) e audição (presbiacusia) são típicas do envelhecimento saudável, e não têm a ver com doenças.

Talvez por isso ainda haja certa dificuldade de entender a diferença entre ambos os termos – senescência e senilidade –, na medida em que muitas pessoas ainda associam as doenças como inerentes ao envelhecimento. Contudo, o envelhecimento é uma etapa da vida e não é sinônimo de doença. É possível envelhecer com poucas ou nenhuma condição incapacitante de saúde. Uma prova robusta disso são as blue zones, regiões onde as pessoas vivem com mais saúde e mais tempo do que a média mundial. Existem cinco blue zones: Okinawa (Japão), Sardenha (Itália), Nicoya (Costa Rica), Icária (Grécia) e Loma Linda (Califórnia). A área de Okinawa, por exemplo, tem a maior taxa de centenários saudáveis do mundo.

Alguns pesquisadores tentam entender os motivos da grande longevidade nas blue zones. Eles observaram que algumas características são comuns nestas cinco regiões: alimentação predominantemente à base de plantas, ingestão moderada de peixes e laticínios, baixa ingestão de carnes e alimentos processados, consumo de alimentos produzidos localmente e alimentação rica em antioxidantes. Além disso, muitos indivíduos, principalmente em Okinawa, têm o hábito de se alimentar de forma a atingir somente cerca de 80% da saciedade. A prática de atividades físicas vigorosas também é observada em pelo menos três dos cinco locais.

Alimentar-se de forma a não atingir 100% da saciedade remete à restrição calórica, prática que reduz a ingestão de energia de alimentos e bebidas, mas sem incorrer em desnutrição, mantendo os nutrientes e vitaminas necessários à boa saúde. Em primatas, já foi demonstrado que uma restrição de 20% da energia total ingerida no dia aumentou a expectativa de vida máxima, melhorando a saúde geral e diminuindo as doenças associadas ao envelhecimento. Transpondo estes dados para humanos, seriam aproximadamente nove anos a mais de vida. Porém, é preciso ter cautela na interpretação dessas informações, porque mais estudos ainda precisam ser realizados.

O mecanismo biológico que explicaria essa maior longevidade tem relação com a menor produção de espécies reativas de oxigênio – os famosos radicais livres – e com a inibição da inflamação crônica de baixo grau que acompanha o envelhecimento. Ainda não conhecemos todos os efeitos da restrição calórica em nosso corpo. Mas sabemos que a alimentação equilibrada com baixo consumo de alimentos ultraprocessados e baseada em alimentos in natura e/ou minimamente processados está associada a melhores desfechos de saúde. E é quase consenso na literatura, no contexto da saúde física, que a dupla boa alimentação e atividade física constante é determinante para um envelhecimento saudável.

A OMS recomenda pelo menos 150 a 300 minutos de atividade aeróbica de intensidade moderada durante a semana. Os benefícios na saúde são percebidos mesmo quando a prática se inicia após os 65 anos e com pelo menos 20 minutos de atividade moderada ou vigorosa diária. Em outras palavras, para um envelhecimento saudável, nunca é tarde para começar a se exercitar, mas o quanto antes melhor, desde que seja um hábito constante. Isso porque vários estudos já comprovaram que atividade física libera moléculas e neurotransmissores que atuam em todo o corpo reduzindo o risco de várias doenças crônicas associadas à senilidade.

Assim, convido você a pensar no tema do envelhecimento saudável como um investimento de longo prazo em sua saúde: cuidar agora do seu corpo físico, com alimentação equilibrada e prática regular de atividade física, para poder contar com esse investimento no futuro e viver com autonomia e independência a fase da sua velhice. Esse investimento de longo prazo ainda parece ser a melhor forma de morrer jovem, o mais tarde possível!

(*) Marcia Regina Cominetti é docente no Departamento de Gerontologia da UFSCar

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