Hidrovia à deriva
A epígrafe tomei a liberdade de utilizá-la do excelente editorial de O Correio do Estado, na edição de 11 de fevereiro sobre o assoreamento do leito hídrico do rio Paraguai, tornando-o em muitos trechos terríveis gargalos à navegação fluvial na estratégica hidrovia, celebrada há séculos pela sua importância política, econômica e social.
O Correio do Estado traz um importante alerta. Não basta o governo federal anunciar que consta do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) recursos milionários compatíveis para iniciar a execução do projeto de recuperação do Rio Paraguai enquanto não se observa nem no horizonte a intenção real de início dos trabalhos. Parece que ela está vencida pela inércia governamental. Parece ser tão somente uma lembrança sebastianista.
Aliás, sobre o assunto me permito voltar no tempo. Há mais de 30 anos, precisamente no calendário gregoriano, ano de 1982. Aos fatos pretéritos: Como membro de uma delegação parlamentar do Brasil que visitava a URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), em dezembro daquele ano – permita-me os parênteses, num frio de lascar, em Leningrado, hoje São Petersburgo - a delegação enfrentou um frio de 31º abaixo de zero, com a sensação térmica de menos 50º.
Já em Moscou, sugeri, numa reunião no Kremlin, sede do governo Soviético, às suas autoridades maiores a análise de um investimento em Mato Grosso do Sul, objetivando a recuperação das vias navegáveis do rio Paraguai e de seus principais afluentes, Taquari, complexo Aquidauana-Miranda e São Lourenço-Cuiabá, já na época vítimas de um processo de assoreamento em razão do avanço em suas cabeceiras de uma atividade agrícola em franco desenvolvimento, com os danos oriundos de um processo de erosão de suas terras.
Salientei que o Brasil poderia pagar-lhes o investimento com as imensas reservas minerais do Urucum, nas cercanias de Corumbá e de grãos (soja, milho) e fibras de algodão já em grande produção no Centro-Oeste, especialmente nos dois Mato Grosso.
A conversa ficou aí, joguei a semente da ideia, na qual desde então acredito e aposto como viável. Mais ou menos três anos se passaram daquela reunião. Certo dia de 1985 visitou-me em Brasília o adido comercial da Embaixada da URSS, comunicando-me que o seu embaixador credenciado no Brasil desejava dizer que aquela minha sugestão propostas interessava ao seu governo.
Surpreso, em companhia do então senador José Fragelli, presidente do Senado da República, fomos a ter com o Embaixador, que confirmou a intenção de seu governo, pois tinha feito pré-estudos a respeito (creio que até por via satélite) e que dispunha de US$ 150 milhões na aplicação da viabilidade do projeto.
Entusiasmado, levei o assunto à consideração do então presidente José Sarney, que se somou à ideia e mandou consultar o governo paraguaio porque o rio Paraguai é um rio que cruza o território daquele país e os interesses a respeito dele se confundem com nossos dois países.
A resposta do governo paraguaio, à época tendo como presidente Alfredo Stroessner, foi grossa e indelicada: “Não faço negócios com comunistas...” Com isso, a ideia ficou no limbo!
Essa é a triste verdade, perdemos uma oportunidade ímpar para equacionar e resolver já naquela época – mais de 30 anos atrás – um problema que dia a dia se agrava e é desproporcional aos nossos recursos já esquálidos.
É o caso de lembrar a sabedoria latina: que tempos, que costumes!
(*) Ruben Figueiró é senador pelo PSDB-MS.
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