ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no Twitter Campo Grande News no Instagram
JULHO, QUARTA  17    CAMPO GRANDE 24º

Artigos

Narrativas da escassez hídrica no Brasil face às ameaças da mudança climática

Lira Luz Benites Lazaro (*) | 18/07/2023 08:30

No período entre 2014 e 2016, a região Sudeste do Brasil enfrentou uma crise hídrica sem precedentes, colocando em risco a saúde e o bem-estar de uma grande parcela da população. Esse evento, associado a condições extremas de variabilidade climática, revelou a vulnerabilidade significativa de algumas das regiões mais dinamicamente econômicas do país.

Além disso, expôs profundas desigualdades e a fragilidade dos sistemas metropolitanos e econômicos, que dependem fortemente de recursos hídricos. Os eventos climáticos extremos, como secas rigorosas e chuvas intensas, coloca o país em constante alerta para o risco de impactos profundos e sistêmicos.

No artigo publicado Assessing water scarcity narratives in Brazil – Challenges for urban governance pesquisadores da USP e da Durham University, do Reino Unido, analisaram as narrativas sobre a escassez hídrica no Brasil, destacando sua importância na formulação de políticas. As narrativas e discursos sobre questões ambientais e climáticas não são neutros, mas estão profundamente enraizados nos contextos sociais e políticos.

Determinadas narrativas têm o poder de influenciar os processos de tomada de decisão, legitimando algumas soluções e desconsiderando outras, além de incluir ou excluir as necessidades de grupos sociais específicos. O estudo procurou compreender essas dinâmicas e seu impacto na gestão dos recursos hídricos. Assim, a pesquisa fornece informações valiosas sobre o poder das narrativas de escassez de água, seu impacto na formulação de políticas e o imperativo de práticas de gestão de água inclusivas e sustentáveis.

Utilizando ferramentas avançadas de classificação de texto e aprendizado de máquina, os pesquisadores realizaram uma análise abrangente de um extenso conjunto de dados textuais de artigos jornalísticos brasileiros publicados entre 2010 e 2021. Essa abordagem, baseada no processamento de linguagem natural, permitiu uma exploração aprofundada das diversas narrativas que cercam a escassez de água no Brasil.

As descobertas revelam uma variedade de tipologias narrativas que trazem diferentes perspectivas sobre a questão da escassez de água. Entre essas tipologias, destacam-se narrativas que enfatizam a institucionalidade/gestão, o aumento do desmatamento e fatores causais, como a redução das chuvas na explicação para a escassez da água. É interessante observar que alguns dessas narrativas tendem a minimizar a responsabilidade dos governos locais na gestão eficaz da água, alinhando-se com perspectivas centradas no clima.

O estudo também identificou a apropriação política de certas narrativas, incluindo aquelas negacionista que minimizam a gravidade da escassez de água e enfatizam sua abundância desse recurso vital. Em contrapartida, as narrativas de justiça hídrica chamam a atenção para os desafios do acesso limitado à água e da infraestrutura inadequada, uma questão que foi de grande preocupação durante a pandemia de covid-19, enfatizando a necessidade urgente de distribuição equitativa de água e de melhorias na infraestrutura.

A identificação das diversas tipologias e características de narrativas nos permite explorar as complexidades e incertezas que permeiam a questão da escassez de água no Brasil. Concentrar-se exclusivamente em uma única perspectiva, pode dificultar a implementação de abordagens integradas e abrangentes para a gestão eficaz e sustentabilidade hídrica. A fim de enfrentar o desafio da escassez hídrica no contexto da crise climática, é fundamental considerar múltiplas perspectivas, atores e setores envolvidos, visando encontrar soluções holísticas e equitativas.

(*) Lira Luz Benites Lazaro é pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados da USP.

Nos siga no Google Notícias