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Nobel de Química 2022: a arte do clique para construir moléculas inovadoras

Adriano Defini Andricopulo (*) | 22/10/2022 07:25

Monta, desmonta, cria e recria. Quem nunca brincou de lego, o famoso jogo de montar e desmontar blocos? Qual a sua relação com a metodologia que conecta blocos químicos para gerar novas moléculas? Mesmo que as duas coisas pareçam não ter nada em comum, o encaixe de peças de lego para construir objetos se assemelha ao encaixe de substâncias químicas para formar novas moléculas com propriedades especiais. Unir átomos e grupos funcionais para formar novas moléculas orgânicas é algo que sempre desafiou os químicos ao longo do tempo.

O Nobel de Química de 2022 premiou justamente esse tipo de pesquisa: a construção de novas moléculas por meio do encaixe simples e eficiente de blocos de construção químicos em condições ambientais ou biológicas. Os cientistas norte-americanos K. Barry Sharpless (Instituto de Pesquisa Scripps) e Carolyn R. Bertozzi (Universidade Stanford), e o dinamarquês Morten Meldal (Universidade de Copenhague) foram laureados pelos seus trabalhos no desenvolvimento da química do clique e da química bio-ortogonal.

Especificamente, em 2002, Sharpless e Meldal pela química do clique. Em 2003, Bertozzi pelo desenvolvimento da química bio-ortogonal, que levou a química do clique a uma nova dimensão em células e organismos vivos. Sharpless conseguiu a grande façanha de ganhar o Nobel de Química pela segunda vez, a primeira foi em 2001. Ele é o quinto cientista laureado duas vezes desde a instituição da premiação, em 1901, e apenas o segundo, ao lado do inglês Frederick Sanger (ganhador em 1958 e 1980), a ser agraciado duas vezes na área de química.

Embora despertem o interesse e a curiosidade das pessoas, os temas do Nobel comumente não fazem parte do cotidiano e do conhecimento do grande público, deixando margem para dúvidas diversas – das mais simples às mais complexas. As principais dúvidas deste ano recaem sobre o significado da química do clique e química bio-ortogonal e suas aplicações.

A química do clique é um conjunto de reações rápidas e específicas entre duas moléculas pequenas que se unem para formar produtos facilmente isolados, com estruturas químicas mais complexas. A ideia era aproveitar o poder do encaixe dos blocos de construção químicos, como o clique de uma alça de bagagem em que as extremidades se ligam uma à outra, para fornecer produtos com a maior variedade possível de aplicações.

A química do clique tem sido amplamente explorada pela indústria farmacêutica no desenvolvimento de fármacos e medicamentos biológicos para o tratamento do câncer, diabetes, obesidade, inflamação e doenças infecciosas. Também tem sido usada pela indústria de materiais no desenvolvimento de polímeros e outros materiais altamente tecnológicos.

As reações da química do clique devem ser modulares (blocos de construção químicos), simples, rápidas e de amplo alcance. Os materiais de partida devem ser baratos e prontamente disponíveis, e os solventes utilizados benignos (como a água) ou facilmente removíveis. Outras características marcantes são as condições reacionais suaves, os bons rendimentos e a formação de produtos estáveis e de fácil purificação. A alta seletividade é mais um atrativo para os químicos que se dedicam à síntese de moléculas orgânicas inovadoras para o tratamento de doenças e disfunções humanas.

A lógica por trás da química do clique é simples, visto que o desenvolvimento de inovações para a indústria demanda propriedades moleculares específicas que podem ser obtidas a partir da união de duas moléculas. Em virtude de a biologia ser um dos campos mais complexos e desafiadores, explorar sinergias entre a química do clique e a química bio-ortogonal pode levar a resultados ainda mais expressivos no desenvolvimento de novos produtos.

A química bio-ortogonal é um conjunto de reações químicas que acontece em organismos vivos de maneira rápida e sem interferir com as biomoléculas ou processos bioquímicos. As reações ocorrem à temperatura e pH fisiológicos e levam seletivamente à formação de produtos estáveis e não tóxicos para as células e organismos. Além disso, permitem incorporar funcionalidades que não estão presentes naturalmente em sistemas biológicos.

Com a visualização das células e o rastreamento do movimento de biomoléculas essenciais para a vida, a química bio-ortogonal permitiu uma compreensão mais profunda das estruturas e funções biológicas. Além disso, a química bio-ortogonal transformou as áreas de diagnóstico e liberação de fármacos (drug delivery systems). Não resta dúvida de que o futuro ainda reserva muitas novidades para a química bio-ortogonal, sobretudo, no desenvolvimento de fármacos mais seletivos e eficazes, e agentes diagnósticos mais sensíveis e seguros.

A arte do clique para construir moléculas inovadoras permitirá numerosos avanços em química, biologia e medicina ao longo do século 21, que não seriam possíveis sem as contribuições de Sharpless, Meldal e Bertozzi.

(*) Adriano Defini Andricopulo, professor do Instituto de Física de São Carlos da USP.

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