Nós nos excluímos em função do tokenismo?
A comunidade afro-brasileira feminina intelectual possuiria, em tese, entre as atribuições de sua missão, o princípio: “Uma sobe e puxa a outra”. A título de suposição, esperar-se-ia que, sempre que possível, escritoras e/ou pesquisadoras com maior reconhecimento usassem seu sucesso para dar visibilidade às demais: tanto às emergentes quanto às antigas, desconhecidas do público em geral.
Esse princípio da sororidade é significativo à luta antirracista, porque fortalece territórios de resistência, tão caros à comunidade negra. O desejado seria que mulheres ou grupos de mulheres negras se articulassem em torno de um movimento coletivo-decolonial, trabalhando, ainda que na dororidade (VILMA PIEDADE, 2019), para superar a opressão e inserir cada vez mais mulheres negras em espaços de prestígio e poder na sociedade.
No entanto, na prática, observa-se comportamentos de negligência e de exclusão por parte daquelas que conseguiram ‘chegar lá’. É possível que isso seja reflexo do próprio racismo introjetado, contra o qual, essas mesmas mulheres buscam combater em suas atuações.
Nesse sentido, é importante falar do conceito de tokenismo: termo utilizado para denunciar uma concessão, apenas simbólica, feita para indivíduos negros com o objetivo de criar a pseudo sensação de inclusão e diversidade, em vez de se permitir uma crescente e ruidosa integração de pessoas racializadas ao sistema constituído (FOLTER, 2020). Tal termo foi desenvolvido nas articulações do movimento civil dos Estados Unidos na década de 1960.
O tokenismo seria uma estratégia racista, visto que vai na contramão de uma verdadeira e sincera inclusão, sendo, portanto, uma diversidade fake. Poder-se-ia dizer que as pessoas negras que se privilegiam com tal concessão acabam apoiando, inconscientemente ou não, o sistema racista, em vez de desmascará-lo e lutar contra ele. Essas pessoas internalizaram a atitude equívoca, relacionada à ideia de que, só por ocuparem sozinhas um espaço de poder, representariam o avanço da luta antirracista.
Nesse sentido, é bom lembrar do alerta que nos fez a pensadora Audre Lorde: “As ferramentas do sinhô nunca vão derrubar a casa-grande”. Ou seja, se queremos nos livrar do carrego colonial sobre nossos lombos, precisamos buscar outras cosmopercepções de reexistência.
O tokenismo é devastador para a causa da comunidade negra, porque instrumentaliza-se do corpo da mulher racializada para excluir outros corpos semelhantes. Isso remete à ideia do fetichismo da dor que Grada Kilomba aborda em seu livro, intitulado Memórias da Plantação. Trata-se da reencenação de situações de opressão contra pessoas negras, como o fazem as novelas ou filmes escravagistas, nos quais, há uma ênfase na dor do coletivo negro. É dessa repetição de episódios racistas que nasce a ideia de fetichismo, ou seja, o prazer advindo da dor alheia. O tokenismo enquanto fetichismo da dor reencena a solidão do corpo negro nos espaços dominados pela branquitude, levando-o à "síndrome do impostor", que adoece o orí.
O tokenismo brasileiro afeta os nossos territórios de resistência. Portanto, mulher negra, não aceite fazer o jogo do racismo estrutural, ao se silenciar, em setores de prestígio, que só aceitam uma ou duas suas iguais. O silêncio não vai proteger você. Não deixe para trás aquelas que representariam uma possível ‘competição’. Não se queira única. Não aceite a solidão. Chame outras para a roda, para o xirê epistêmico.
Diante desse contexto, indagamos: como poderíamos honrar o lema “eu sou porque nós somos”? Como voltaríamos a ser mulheres pretas espetaculares, justamente porque nos aquilombamos, nos apoiando e trabalhando juntas?
(*) Norma Diana Hamilton é professora do Departamento de Línguas Estrangeiras e Tradução (LET/IL/UnB), Doutora em Literatura e Práticas Sociais.
(*) Adelaide Paula é doutoranda em Literatura e Práticas Sociais pela UnB, cofundadora e coordenadora do Núcleo de Escritoras Pretas Maria Firmina dos Reis do IL/UnB.