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Pedagogia do constrangimento: Quando o desconforto educa

Por Cristiane Lang | 18/09/2024 08:28

Em muitas situações do cotidiano, principalmente em relações interpessoais ou no ambiente de trabalho, a abordagem de ensinar por meio do constrangimento ou desconforto parece surgir como uma opção. Embora controversa, essa tática pode ter seus méritos em certos contextos, sendo capaz de expor comportamentos inadequados e induzir uma reflexão. No entanto, para ser eficaz, precisa ser usada com extremo cuidado, discernimento e ética.

O conceito de constrangimento educativo

A pedagogia do constrangimento se baseia na ideia de que, ao passar por uma situação constrangedora, a pessoa será forçada a refletir sobre suas ações ou posturas. O desconforto gerado atua como um choque de realidade, fazendo com que o indivíduo perceba que seu comportamento foi inadequado ou fora dos padrões esperados. A vergonha pública ou o constrangimento social pode, por vezes, ser uma forma eficaz de demonstrar o impacto de ações irresponsáveis ou desrespeitosas.

No entanto, é crucial reconhecer que o objetivo dessa pedagogia não é humilhar ou desvalorizar a pessoa de forma cruel, mas sim incentivar a autocrítica e o crescimento. Quando bem dosado, o constrangimento pode provocar uma mudança significativa de comportamento e ajudar no amadurecimento.

Quando o constrangimento é necessário?

Existem situações em que intervenções diretas e assertivas, incluindo o uso do constrangimento, podem ser uma das únicas maneiras de trazer à tona comportamentos problemáticos. Por exemplo:

    ⁃    Falta de respeito repetida: Quando uma pessoa age de maneira desrespeitosa ou agressiva, ignorando alertas verbais ou dicas sutis, fazê-la confrontar as consequências de suas ações de forma pública pode ser uma estratégia eficaz.

    ⁃    Comportamentos impróprios no ambiente de trabalho: Em ambientes profissionais, pessoas que consistentemente sabotam o trabalho em equipe ou ignoram normas básicas de convivência podem ser confrontadas de maneira firme, às vezes em reuniões abertas, para perceberem a gravidade de suas atitudes.

    ⁃    Atitudes arrogantes ou abusivas: Indivíduos que constantemente desmerecem os outros, se posicionando em um pedestal de superioridade, podem ser "desmascarados" diante de um grupo, expondo as falhas em seu comportamento para que reconheçam a necessidade de mudança.

Os riscos da pedagogia do constrangimento

Embora essa abordagem possa ser eficaz em certos contextos, ela apresenta riscos significativos se aplicada de maneira inadequada ou sem sensibilidade. O principal perigo é transformar o constrangimento em humilhação, que pode ter consequências devastadoras, como:

    ⁃    Danos à autoestima: Expor alguém de maneira cruel ou exagerada pode minar a autoconfiança dessa pessoa, fazendo com que ela se sinta permanentemente inferiorizada.

    ⁃    Ressentimento: Em vez de promover uma reflexão genuína, o constrangimento pode gerar rancor e resistência à mudança. Quando a pessoa se sente injustiçada ou atacada, a tendência é se fechar ao aprendizado e manter uma postura defensiva.

    ⁃    Relações interpessoais prejudicadas: O uso excessivo ou desmedido dessa abordagem pode comprometer a confiança e o respeito mútuo nas relações, sejam elas pessoais ou profissionais.

O uso ético e ponderado do constrangimento

Para que a pedagogia do constrangimento funcione sem causar mais danos que benefícios, alguns princípios devem ser seguidos:

    1.    Intenção educativa, não punitiva: O foco deve sempre estar no crescimento e aprendizado do outro, e não em uma punição ou vingança por comportamentos passados.

    2.    Contexto adequado: Avaliar cuidadosamente se a situação realmente exige esse tipo de intervenção. Em muitos casos, uma conversa particular pode ser mais eficaz e menos agressiva.

    3.    Proporcionalidade: O nível de constrangimento deve ser proporcional ao comportamento que está sendo corrigido. Exageros podem transformar a lição em um ataque pessoal.

    4.    Acompanhamento: Após a situação de constrangimento, é importante que haja um acompanhamento para avaliar como a pessoa está reagindo e garantir que a experiência realmente se converta em aprendizado.

A pedagogia do constrangimento é uma ferramenta poderosa, mas delicada. Quando utilizada com cuidado e responsabilidade, pode ser um catalisador de mudanças positivas e reflexões profundas. No entanto, é fundamental reconhecer que, para evitar danos irreparáveis, essa abordagem deve ser dosada com sensibilidade e ética, sempre com a intenção genuína de promover o crescimento e a evolução de quem passa por essa experiência. Afinal, o objetivo não é apenas gerar vergonha, mas possibilitar o amadurecimento por meio da reflexão.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo. 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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