Racismo institucional e saúde da população negra
Este artigo tem o objetivo de analisar as interfaces entre racismo institucional e saúde da população negra no Brasil, tendo como focos as doenças de maior prevalência na população negra e a construção de políticas que visem garantir o acesso à saúde. Os ativistas norte-americanos Stokley Carmichael e Charles Hamilton (1967), integrantes do grupo Panteras Negras, definem racismo institucional como: “A falha coletiva de uma organização em prover um serviço apropriado e profissional às pessoas por causa de sua cor, cultura ou origem étnica”.
O conceito de ‘racismo institucional’ visa especificar como o racismo se manifesta nas estruturas organizacionais da sociedade e nas instituições, ao dar prioridade aos interesses dos grupos hegemônicos, ou seja, de certo perfil étnico, negligenciando e deslegitimando as necessidades dos outros, limitando suas oportunidades e acesso aos serviços. O RI (Racismo Institucional) pode manipular diferentes formas de distribuição e acesso aos serviços, como mostram Suzana Kalckmann e colaboradores (2007), em seu estudo “Racismo Institucional: um desafio para a equidade no SUS”. Ao analisar situações discriminatórias nos serviços, eles recolhem diversos relatos de pacientes negros que tiveram seu estado de saúde negligenciado porque os profissionais da saúde pensam que pessoas negras possuem uma maior resistência a dor. Os autores exemplificam com falas de profissionais de saúde e de usuários, tais como: “Negro não adoece”, “Eu estava com muita dor e a médica falava: que é isso? Não dói tanto”, “Rapaz! Um negão desse tamanho sentindo dor?”.
A partir dessas narrativas, percebe-se que o RI retira toda a humanidade das pessoas negras, na medida em que os profissionais de saúde não demonstram um olhar humanizado para as questões raciais e seus impactos na saúde da população negra. O RI, o preconceito e o despreparo dos profissionais da saúde revelam que o racismo é naturalizado na vida cotidiana de quem atua em saúde.
A Política Nacional Integral de Saúde da População Negra (PNSIPN) vai ao encontro das discussões sobre a promoção da saúde e o enfrentamento ao racismo institucional. A Portaria n.° 992 do Ministério da Saúde, de 13 de maio de 2009, efetiva a PNSIPN, que tem como marca o reconhecimento do racismo, das desigualdades étnico-raciais e do racismo institucional como determinante da saúde da população negra.
O desconhecimento das doenças de maior prevalência na população negra (Anemia Falciforme, o Diabetes Mellitus tipo II, a Hipertensão arterial e a Deficiência de Glicose-6-Fosfato Desidrogenase) fez com que o Ministério da Saúde publicasse em 2001 o Manual de Doenças Mais Importantes, por Razões Étnicas, na População Brasileira Afrodescendente, acentuando que: “São mais incidentes na população negra, e não por razões étnicas. O acesso a serviços de saúde é mais difícil e o uso de meios diagnósticos e terapêuticos é mais precário, produzindo, em geral, evolução e prognóstico piores para as doenças que afetam negros no Brasil.”.
Conforme Jurema Werneck (2012), a vulnerabilidade da população negra para determinados agravos e doenças e a falta de assistência a que essa população é submetida potencializam os óbitos precoces. Jurema afirma que “temos taxas de morte precoces de doenças cardiovasculares que poderiam ter sido tratadas, poderiam ser resolvidas com o que o sistema já tem. E não são”. Observa-se a dificuldade no controle e tratamento de doenças como Hipertensão Arterial, Diabetes Mellitus, entre outras, que demandem maior atenção dos profissionais de saúde para as vulnerabilidades da população negra. As más condições de habitação, alimentação e ambientação, juntamente com as condições financeiras desfavoráveis, contribuem para o aumento de doenças.
Lucia Xavier (2018), coordenadora executiva da ONG CRIOLA, Organização de Mulheres Negras, destaca: “A população negra não é uma população doente, o que acontece é que ela vive com menos qualidade. O grupo é mais vulnerável às doenças porque está sob maior influência dos determinantes sociais de saúde, ou seja, as condições em que uma pessoa vive e trabalha, a insalubridade, as baixas condições sanitárias às quais está submetida. E a soma desses indicadores de vulnerabilidade aumenta também o risco de perder a vida”.
A população negra enfrenta há séculos o peso da exclusão, que reforça as desigualdades e exacerba seus efeitos na saúde; ainda que exista uma política específica de saúde para a população negra, existem, contudo, barreiras a serem superadas do ponto de vista da sua efetivação. Na maioria das vezes a PNSIPN não é desconhecida pelos profissionais de saúde, mas ainda apresenta muita resistência dentro do Sistema Único de Saúde. É necessário reconhecer políticas públicas para essa população que busquem melhores condições de vida, demandando tratamento de acordo com as necessidades.
(*) Ana Carla Vidal Teixeira é mestranda no Programa de Pós-graduação em Sociologia da UFRGS