Reflexões sobre o lúdico, a arte e a memória
O texto a seguir aborda alguns aspectos fundamentais para o desenvolvimento do meu trabalho de conclusão do curso de Licenciatura em Artes Visuais, intitulado “A maleta de lembranças: um Objeto Propositor Poético desenvolvido a partir de um inventário pessoal de memórias”, finalizado e apresentado no mês de outubro de 2022.
É sabido que durante a graduação, em especial na reta final do curso, o aluno universitário direciona seus estudos e trabalhos para algumas linhas de pesquisa específicas. Quando entrei na Universidade, não imaginava que hoje estaria defendendo os conceitos nos quais hoje me embaso, não porque eu não os achava interessantes até então, mas por desconhecer realmente a potência desses campos e suas repercussões no âmbito da educação.
Dentre os temas abordados no trabalho, destaco a ludicidade em sala de aula, a construção de materiais didáticos para aulas de arte e o uso de nossas próprias vidas como assunto de nossas pesquisas e criações.
Esse espaço onde se conectam o lúdico, a arte e a memória é onde me coloco como pesquisadora, artista e professora.
Interessa explicar que o termo Objeto Propositor Poético (OPP), utilizado por minha orientadora, professora Andrea Hofstaetter, parte do conceito de Objeto Propositor de Mirian Celeste Martins, pesquisadora da área de arte-educação, que cria o termo referenciando os trabalhos propositores da artista Lygia Clark.
Para Martins, um Objeto Propositor é todo aquele que, como diz o nome, propõe, apresenta, sugere e instiga modos diferentes de experienciar a arte em situações de aprendizagem. A palavra Poético inspira-se tanto no conceito de Objeto de Aprendizagem Poético, elaborado pela pesquisadora Tatiana Fernandez, como pelas próprias definições da palavra comumente citada na área das Artes Visuais, uma vez que se desdobra entre poético, como algo inspirador e sensível, e poiético, designação dada ao processo de criação do artista.
Um OPP é, portanto, um material didático elaborado para o uso em situações de aprendizagem em artes que busca impulsionar a criação de novas invenções e projetos por meio de proposições sensíveis e lúdicas.
A respeito da ludicidade em sala de aula, recorro sempre aos textos da querida professora Tânia Ramos Fortuna, que afirma que brincar é aprender e que uma “atmosfera lúdica” é fundamental em sala de aula, uma vez que pausa o ritmo acelerado do dia a dia e auxilia no afastamento de automatismos habituais, fazendo com que o sujeito partícipe desenvolva habilidades e construa conhecimento de modo tanto individual e autônomo quanto coletivo e compartilhado, sem deixar de se divertir no processo.
Sendo assim, posso ponderar que um professor que investe em uma postura brincante e que oportuniza apresentações lúdicas de objetos e exercícios, instiga seus alunos e os convida a fazerem parte da atividade e do momento.
A Maleta de lembranças foi construída a partir de uma extensa imersão em meus acervos pessoais, já que sempre fui uma pessoa que conservou memórias e recordações por meio de objetos documentais e afetivos e pequenas coleções. Esse resgate autobiográfico, acessado por um modo autoetnográfico de pesquisar, isto é, através de uma autorreflexão acerca das minhas experiências pessoais em relação à cultura de modo mais abrangente, permitiu que eu fizesse ponderações e aproximações a respeito dos elementos que circundam minha vida desde a primeira infância, e que me acompanham até hoje.
A investigação física que realizei foi sobre a minha existência individual, contudo, estabeleci conexões entre vida, arte e docência que clarificaram e guiaram meu trabalho como professora propositora. A potencialidade poética que cada sujeito carrega consigo é o verdadeiro mote para a construção desse material que pretende aproximar, durante os encontros realizados no espaço da sala de aula, o cotidiano da arte.
Um bom material didático não é aquele didatizante, cheio de regras, mas, sim, aberto a diferentes interações e intervenções. O nosso objetivo como professores de arte é sempre oportunizar momentos em que o aluno possa perceber o valor da arte de forma ampla, ultrapassando os muros da escola. Através de temáticas cotidianas, autobiográficas, narrativas pessoais, histórias de vida, conseguimos despertar inspirações e motivações criadoras que instigam o sujeito a agir e a se colocar como ser pensante e criador.
O material que confeccionei é como um museu em miniatura da minha vida, onde alguns aspectos se evidenciam e outros se mesclam e se entrelaçam. A partir dessa criação pensei em proposições que fazem parte de um material de apoio, com um conjunto de fichas que sugerem diversos exercícios lúdicos para abordar as temáticas presentes no OPP. As proposições pretendem proporcionar momentos de investigação e descoberta aos sujeitos, possibilitando reflexões sobre suas próprias existências e provocando reverberações artísticas a partir delas. O material completo para download encontra-se disponível para qualquer interessado e pode ser acessado aqui. Divirta-se!
(*) Nickole Monfron da Costa é graduada em Design de Moda (2014), pela Universidade de Caxias do Sul – UCS/RS e em Licenciatura em Artes Visuais (2022) pela UFRGS.