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Sem brincadeira: criminalização do bullying e cyberbullying

Por Rafaela Lobato (*) | 21/01/2024 13:00

Condutas que antigamente eram consideradas até mesmo aceitáveis socialmente, hoje são consideradas como crime. O fato demonstra o quanto a sociedade passa por constantes transformações e evidencia ainda mais a necessidade de a legislação acompanhar as mudanças sentidas pela sociedade.

O ano de 2024 já se iniciou com alterações legislativas e com a inclusão de crimes no Código Penal, além do endurecimento das penas em situações anteriormente aceitas.

A Constituição Federal prevê como direito mor a proteção da criança e do adolescente, premissa essa que deve ser seguida por todo o ordenamento jurídico brasileiro como absoluta.

Diante disso, as leis atuais vem seguindo tanto o direcionamento da Carta Magna, como também a progressão social na proteção das crianças e do adolescente, o que vem evidenciado na Lei nº 14.811/2024, sancionada no dia 15 de janeiro de 2024.

Nesse sentido, a nova lei prevê, de imediato, a criação da Política Nacional de Prevenção e Combate ao Abuso e Exploração Sexual da Criança e do Adolescente, que será elaborada no âmbito de conferência nacional a ser organizada e executada pelo órgão federal competente.

Dissecando um pouco mais da nova lei, visualiza-se que há dois novos crimes ao Código Penal, qual seja, o bullying e o cyberbullying, práticas que, no século passado, não só eram aceitas, como estimuladas. Já de algumas décadas para cá, os atos foram combatidos e, em pleno início de 2024, é inaugurado como crime.

A Lei prevê que intimidar sistematicamente, individualmente ou em grupo, mediante violência física ou psicológica, uma ou mais pessoas, de modo intencional e repetitivo, sem motivação evidente, por meio de atos de intimidação, de humilhação ou de discriminação ou de ações verbais, morais, sexuais, sociais, psicológicas, físicas, materiais ou virtuais é crime. A infração de bullying possui pena de multa, enquanto se a mesma prática for realizada por meio virtual, cyberbullying, a pena será de reclusão, de 2 a 4 anos, demonstrando, minimamente, uma discrepância.

Evidencia-se que a intimidação, quando praticada por meios virtuais possui uma pena ainda maior que a intimidação praticada por meios presenciais, demonstrando a preocupação ainda maior com o mundo virtual, haja vista a facilidade de intimidar diante a dificuldade de ser reconhecido por seus atos, assim como o encorajamento no cometimento.

Além disso, a mesma lei trouxe penas mais rígidas para crimes cometidos em face de crianças e adolescentes.

Inicia-se pelo crime de homicídio que, atualmente, já possui pena mais elevada quando praticada contra criança menor de 14 anos e, agora, será ainda mais aumentada, em 2/3, se cometido em uma escola, pública ou privada.

Na mesma toada, a pena do crime de indução ou auxílio ao suicídio será dobrada se o autor é “líder, coordenador ou administrador de grupo, de comunidade ou de rede virtual, ou por estes é responsável”.

Além disso, outra inovação é que todos os crimes previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) passam a ser considerados hediondos. Outrossim, acrescentou no rol de crimes hediondos a indução ou auxílio a suicídio ou automutilação, usando a internet; sequestro e cárcere privado contra menores de 18 anos; e o tráfico de pessoas contra crianças ou adolescentes.

Percebe-se que o acompanhamento legislativo à sociedade não só é importante como necessário, e as novidades trazidas pela lei possuem o viés de proteção à criança e ao adolescente, assim como intimidatório ao agressor, considerando que outros âmbitos do Direito não foram o suficiente para frear tamanha violência, que vem gerando transtornos e traumas significativos.

Em contrapartida, os desafios não se findam, apenas são minimamente combatidos com a novidade legislativa, trazendo ao lado novos obstáculos.

De imediato, percebe-se a dificuldade do enquadramento dos novos crimes, bullying e cyberbullying no crime, não mais por simples falta da previsão legal, mas sim no que será de fato considerado crime, diante a necessidade de se comprovar o dolo, haja vista que a intenção de brincadeira, em sentido jocoso, não poderá ser considerado como crime, diante a ausência de previsão dos crimes culposos.

Por outro lado, no que se refere às penalidades, apesar de evidenciar o Direito Penal Emergencial/Simbólico, possui sua importância, na medida em que coage ainda mais agressores de crianças e adolescente, demonstrando a tendência protetiva aos menores, assim como a punição agravada aos que cometem crimes, já considerados graves, contra vítimas em situação de hipervulnerabilidade.

A partir de então, será necessário aguardar as primeiras jurisprudências formadas sobre o tema, para obtermos embasamento e delineamento de como irá ser evidenciada na prática as novidades legislativas.

Nota-se a importância da comunidade nos primeiros momentos, considerando principalmente a necessidade de encorajamento dos fatos típicos serem de fato registrados e, assim, iniciarem sua aplicação legal.

De imediato, visualizando-se que a lei já está em vigor, a primeira carreira jurídica a testar na prática a atualização será a autoridade policial, que trará o enquadramento legal de fatos anteriormente considerados atípicos para tratá-los com tipicidade penal.

Portanto, evidenciado o avançar social, sob motor traçado, transportando em anexo a lei, torna visível o acompanhamento legislativo no enfrentamento às desigualdades e na proteção da criança e do adolescente.

(*) Rafaela Lobato é delegada de Polícia Civil no Estado do Mato Grosso do Sul, lotada na 1ª Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam), pós-graduada em Direito Penal e Processual Penale em Direito Público, especialista em Direito da Mulher, capacitada em Inteligência Policial e Investigação Cibernética e fundadora do primeiro escritório de advocacia para mulheres do estado do Tocantins.

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