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Soluções para a crise dos recursos genéticos no Antropoceno

Cristiane Tavares Feijó e Rumi Regina Kubo (*) | 14/02/2022 09:00

Uma das preocupações constantes e debatidas nos bastidores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) há pelo menos uma década tem sido os efeitos das mudanças climáticas na conservação dos recursos genéticos. Segundo alguns profissionais da instituição, esses problemas são apenas a ponta do iceberg de uma nova era geológica criada pela dominação humana, capaz de transformar, de forma tão predatória, a natureza. Esse é o novo dilema do Antropoceno, fonte de estudos de um segmento da Embrapa que vêm proporcionando o acompanhamento e a identificação dos principais temas dos pesquisadores na instituição, permitindo-nos reconhecer alguns dos desafios da sociedade contemporânea.

Nesse contexto, como Universidade, participamos de uma série de redes, entre elas de uma denominada Agrossociobiodiversidade, constituída por pesquisadores e pesquisadoras de universidades federais, Embrapa e profissionais da extensão rural. Nessa rede, em tempos de pandemia, aplicativos de interação social (como o WhatsApp) têm sido muito utilizados, veiculando debates sobre os temas como produção e consumo de alimentos agroecológicos, desafios da segurança e soberania alimentar, questões que circundam a erosão da agrossociobiodiversidade, etc.

Uma edição do Globo Repórter transmitida ainda em setembro de 2021 tinha como chamada “Arroz e feijão: uma dupla saudável e que é a base da alimentação brasileira” e trouxe à tona para os brasileiros a importância do consumo de um casamento antigo entre o feijão e o arroz. Mas um fato que talvez poucas pessoas na nossa sociedade saibam é que esses dois alimentos habitam os Bancos Ativos de Germoplasma (BAGs) da Embrapa. A relevância da matéria reside não somente em divulgar os benefícios nutricionais dessa combinação entre a leguminosa (feijão) e o cereal (arroz), mas também de informar, especialmente à população urbana, o papel dos BAGs na conservação das centenas de variedades dessas espécies.

Podemos dizer que os BAGs servem de instrumentos essenciais à manutenção dos sistemas agroalimentares brasileiros em conjunto com os serviços prestados pelos bancos comunitários das associações, e seus guardiões de sementes, no que se refere às práticas cotidianas de agricultores.

De fato, a reportagem, assim como os documentários produzidos sobre o tema em questão, a partir da sua linguagem não acadêmica, propõe uma outra estratégia de comunicação entre a pesquisa e a sociedade. Nas palavras do pesquisador Irajá Ferreira Antunes, da Embrapa Clima Temperado, localizada em Pelotas (RS), esse tipo de matéria é uma forma capaz de aproximar o trabalho dos pesquisadores, dos agricultores e guardiões de sementes crioulas, tradicionais e locais, da população urbana. “Nosso esforço tem sido nessa direção. Precisamos divulgar, de uma maneira mais ampla, nossas ações conjuntas com os agricultores, a existência das variabilidades das espécies de feijão, por exemplo, para os consumidores urbanos.” O pesquisador destaca as várias formas de preparar essas espécies – como as receitas apresentadas na matéria em questão. Ele diz: “Este é um dos caminhos que estamos trabalhando para divulgar as variedades crioulas e cultivares (fruto da pesquisa) de feijão aqui do BAG para a população urbana. Além desse público conhecer o potencial organoléptico das variedades e cultivares, é uma porta que se abre para estimular o consumo consciente desses alimentos. A valoração dos BAGs passa por esse tipo de comunicação também”.

Uma preocupação não tão nova dos profissionais tem sido a manutenção dos BAGs, especialmente dos pesquisadores da Embrapa, cujas ações e discursos têm sido acompanhadas pelo desenvolvimento das pesquisas de doutorado, e recentemente de pós-doutorado, no Programa de Pós-graduação de Desenvolvimento Rural da UFRGS.

Se na década de 1970 os BAGs foram criados na Embrapa com a justificativa de mitigar a perda da diversidade – fenômeno denominado erosão genética então promovido pela homogeneização e forte industrialização dos sistemas de produção agrícola –, nos tempos atuais esta crise tem sido intensificada pelas mudanças climáticas. Tais adversidades irão refletir nos desafios da conservação ex situ (fora do local de origem) dos recursos genéticos, uma vez que os BAGs são abastecidos por variedades crioulas, tradicionais e locais, disponibilizadas por agricultores guardiões dessas sementes. Também é possível pensar no inverso, quando a conservação in situ (no ecossistema) está suscetível a eventos climáticos (estiagens e enchentes), à contaminação das variedades crioulas por transgênicos, dentre outras dificuldades, fazendo com que as comunidades e famílias guardiãs das sementes percam suas espécies. Daí entra a ação dos BAGs institucionais, por exemplo, possibilitando às suas comunidades e famílias guardiãs (re)acessar as variedades perdidas.

A ideia geral dessa relação entre os sistemas de conservação ex situ e in situ é manter uma simbiose entre as diferentes práticas de preservação da agrossociobiodiversidade. O pesquisador Irajá Ferreira Antunes explica que a agrossociobiodiversidade “é uma forma de amenizar e até mesmo contornar a crise do Antropoceno. Essa era que foi criada por nós, seres humanos, e que vem atingindo drasticamente a vida, como um efeito dominó, trazendo secas, inundações, perda das espécies não só vegetais, mas animais também, insegurança alimentar, fome e muitos outros problemas que estamos presenciando e que nos desafiam a pensar e agir. Nisso tudo repousa como solução a própria agrossociobiodiversidade. É ela que poderá ter um papel singular sobre a crise na qual vivemos”.

(*) Cristiane Tavares Feijó é doutora em Desenvolvimento Rural e pós-doutoranda no Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS.
(*) Rumi Regina Kubo é doutora em Antropologia e professora do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Rural da UFRGS.

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