ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, QUARTA  27    CAMPO GRANDE 26º

Artigos

Sustentabilidade em comunidades vulneráveis

Eduardo Baldauf (*) | 30/08/2021 08:30

Sustentabilidade é uma palavra que permite inúmeras interpretações e tem sido empregada em diferentes áreas com os mais diferentes propósitos. Diante das mudanças climáticas e do iminente colapso do planeta, a dimensão ambiental da sustentabilidade ganha cada vez mais importância. Ao estudar iniciativas capazes de promover resiliência e sustentabilidade em comunidades vulneráveis, tive a oportunidade de refletir sobre o significado do termo no contexto dessas comunidades. O desenvolvimento da pesquisa trouxe ainda uma contribuição não prevista inicialmente, pouco comum em trabalhos de mestrado acadêmico.

O estudo tem como objetivo propor diretrizes para a implementação de iniciativas de transformação resilientes e sustentáveis, em pequena escala, em comunidades desfavorecidas. Essas comunidades são formadas por uma população de baixa renda, em vulnerabilidade socioeconômica. Alinhando-se a esse contexto, o estudo empírico foi realizado no Morro da Cruz, em Porto Alegre.

Mas o que seriam essas iniciativas? Em linhas gerais, são ações e intervenções realizadas em assentamentos urbanos e comunidades existentes, em escala de bairro, por meio de uma abordagem de baixo para cima, com baixo orçamento e forte envolvimento da comunidade. Uma série de características adicionais define o conceito de iniciativas adotado na pesquisa e que contempla um conjunto interdisciplinar de práticas. Entre as possíveis iniciativas a serem implementadas em comunidades estão, por exemplo, sistemas de captação de água da chuva, hortas comunitárias, oficinas profissionalizantes, moeda local e rádio comunitária. Essa diversidade resulta em diferentes categorias de ações e iniciativas.

Após uma seleção de 15 iniciativas consideradas mais apropriadas para o contexto do Morro da Cruz, incluindo seus aspectos físico/ambiental, urbano, sociocultural, econômico e político, os moradores foram convidados a opinar, entre outras coisas, sobre aquelas que mais lhes interessavam.

O resultado dessa consulta mostrou que as iniciativas que despertaram maior interesse foram aquelas com potencial de gerar um impacto econômico positivo na vida dos moradores, por meio de atividades que poderiam ou produzir renda, reduzir despesas, ou facilitar a inserção no mercado de trabalho.

Como se vê, entre as dimensões da sustentabilidade consideradas na pesquisa – ambiental, social, econômica e cultural –, a dimensão econômica predomina nas iniciativas que obtiveram a preferência dos entrevistados. Sem dúvida, esse era o resultado esperado para uma comunidade em vulnerabilidade socioeconômica, ainda mais se considerando o alto índice de desemprego também detectado na pesquisa. Os moradores optaram por iniciativas cuja perspectiva apontava o enfrentamento de suas necessidades financeiras básicas.

Diferentemente da preferência observada no Morro da Cruz, em países desenvolvidos as iniciativas conduzidas por comunidades têm foco predominantemente em questões ambientais em resposta às mudanças climáticas. Esse era também o meu principal foco ao decidir trabalhar com o tema da sustentabilidade. A opção por abordar a questão ambiental no contexto de comunidades vulneráveis justificava-se pelo fato de que essas comunidades são as mais afetadas pelos efeitos das mudanças climáticas. No entanto, a adoção de uma noção de sustentabilidade focada principalmente em questões ambientais em comunidades carentes é bastante questionável. De acordo com um relatório de 2020 da OXFAM, os 50% mais pobres da humanidade foram responsáveis por apenas 7% das emissões globais de CO2 no período entre 1990 e 2015, enquanto os 10% mais ricos da humanidade responderam por 52% das emissões no mesmo período.

Diante desse cenário, por que implementar iniciativas para reduzir o impacto ambiental em comunidades vulneráveis?

Uma noção específica de sustentabilidade emergiu a partir do contexto da pesquisa. Se, diante do alarmante processo de colapso ambiental em curso no planeta, não é mais possível pensar soluções para as questões econômicas, sociais e culturais sem levar em conta o meio ambiente, para comunidades em vulnerabilidade socioeconômica, a necessária e urgente preocupação ambiental deve fazer parte de uma estratégia que a concilie com as dimensões econômica, social e cultural, abordando assim as quatro dimensões da sustentabilidade. A pesquisa procurou traduzir esse conceito para a micro e a pequena escala ao focar em questões específicas de interesse das comunidades locais com potencial de proporcionar, além de benefícios ambientais, renda, redução de despesas, desenvolvimento de competências, inclusão social, integração, bem-estar, empoderamento e vitalidade cultural.

Existem diversas iniciativas atualmente em Porto Alegre que se encaixam no conceito proposto na pesquisa. São hortas comunitárias, oficinas profissionais e centros de reciclagem, por exemplo, capazes de transformar comunidades, promovendo resiliência e sustentabilidade. Não existe, porém, nenhum mapeamento abrangente dessas práticas, o que as torna invisíveis à população. A partir dessa constatação, somada à percepção de que os moradores das comunidades aprendem com a experiência e, portanto, a melhor forma de apresentar iniciativas a eles é por meio de exemplos práticos, foi desenvolvida uma ferramenta para suprir essa falta de centralização das informações sobre as iniciativas e permitir o intercâmbio entre elas e a população.

Assim, a pesquisa traz como uma contribuição prática a página Iniciativas Porto Alegre, que apresenta um mapa com a localização das iniciativas e fornece informações sobre cada uma delas. Essa ferramenta pretende criar uma rede de iniciativas, conectando-as entre si e com a população, e permitindo o compartilhamento de experiências, a troca de informações e o aprendizado mútuo. Em última análise, a página tem o potencial de inspirar pessoas e comunidades, a partir dos exemplos práticos, a se tornarem mais resilientes e sustentáveis.

(*) Eduardo Baldauf é arquiteto e mestrando no Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil – Construção e Infraestrutura – da UFRGS.

Nos siga no Google Notícias