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TDAH na universidade: panorama e desafios

Flávia Wagner e outros (*) | 17/05/2023 08:30

O processo de ensino-aprendizagem na universidade costuma ser muito diferente daquele do Ensino Médio, havendo expectativa de que o aluno desenvolva maior autonomia. Pessoas com Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) podem ter especial dificuldade com essas mudanças. Entre os muitos desafios que envolvem o Ensino Superior, podemos elencar a necessidade de formar um novo círculo de amizades, compreender o funcionamento da instituição, organizar a própria agenda e desenvolver novos métodos de estudo.

O TDAH é caracterizado pela presença de sintomas de desatenção e/ou hiperatividade/impulsividade numa intensidade e frequência maiores que o esperado, causando prejuízo à qualidade de vida. Um sintoma de desatenção comum é a dificuldade de manter a atenção por um período prolongado, principalmente naquelas atividades que envolvam um esforço cognitivo maior – por exemplo, a sala de aula. Com o aumento no nível de dificuldade no ensino, os prejuízos tendem a ser acentuados. Concomitantemente, pode haver sintomas de hiperatividade, caracterizados por uma sensação de estar sempre “ligado no 220”. Para lidar com a inquietação, muitos alunos saem da sala diversas vezes e mexem-se demasiadamente.

Já a impulsividade frequentemente impacta o âmbito das relações sociais. É comum que sejam pessoas “implicantes” e impacientes, que interrompam as conversas e falem demais, gerando desajuste social. Muitas vezes também apresentam maior desregulação emocional. Essa dificuldade, sem o auxílio necessário, também pode impactar negativamente nas relações interpessoais e na capacidade de lidar com o estresse, por exemplo, em períodos de provas.

Além dos sintomas diagnósticos, pessoas com TDAH frequentemente apresentam déficits no que chamamos de “funções executivas”. Algumas das funções executivas são capacidade de planejamento, gerenciamento do tempo, organização, inibir estímulos e até de iniciar e manter-se em alguma atividade.

Essas dificuldades criam obstáculos importantes na área acadêmica. Cada indivíduo que tem TDAH é único, apresenta um perfil de sintomas e de funcionamento neuropsicológico distinto. Por isso, é necessário, além de estabelecer um tratamento adequado, desenvolver habilidades e estratégias de estudo que considerem essa combinação de características. Infelizmente, os alunos chegam à universidade sem ter experimentado diferentes formas de estudo e, muitas vezes, sem um diagnóstico adequado.

A autonomia costuma ser pouco incentivada no Ensino Básico, tanto pelas instituições de ensino quanto pelas famílias. O aluno raramente é orientado a organizar sua agenda, experimentar-se no processo de aprendizagem, e restringe-se a cumprir aquilo que lhe é demandado. Assim, ao chegar à universidade, depara-se com um ambiente completamente diferente daquele que vivenciou durante sua vida, na maioria das vezes, sem ter desenvolvido habilidades para lidar com todas essas novas demandas.

Além das dificuldades específicas do processo ensino-aprendizagem, somam-se os desafios de gerenciamento das demandas diárias. Geralmente o ingresso no Ensino Superior se dá no início da vida adulta, período em que, socialmente, espera-se maior autonomia em todas as áreas da vida. As demandas são ainda maiores para aqueles alunos que saem da casa de seus familiares, precisando aprender a gerenciar seu novo local de moradia, suas finanças e muitas vezes adaptar-se a uma nova cidade.

Essas novas responsabilidades certamente envolvem um nível de estresse para qualquer pessoa, mas podem ser um fator que extrapola os recursos de um aluno com TDAH com disfunção executiva e que não desenvolveu estratégias compensatórias.

Considerando esse cenário, é possível compreender que a adaptação ao Ensino Superior pode gerar um sofrimento mais intenso em alunos com TDAH e impactar não só o seu desempenho acadêmico, como a sua saúde mental. A preparação para o ingresso na universidade inicia ainda no ensino médio, a partir de experiências proporcionadas tanto pela família quanto pela escola.

E na universidade, o que pode ser feito? Poucos estudos foram desenvolvidos especificamente sobre essa temática. As principais intervenções ainda têm focado em estratégias adotadas nas escolas, como conceder mais tempo de prova e possibilitar que o aluno faça avaliações em locais com menos estímulos. Estudos recentes têm investigado o papel do desenvolvimento de estratégias de organização, de manejo do tempo e de formas de estudo no desempenho dos universitários. O Programa de Déficit de Atenção e Hiperatividade (ProDAH) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre está desenvolvendo um estudo para verificar se a concessão de tempo extra em avaliações de fato auxilia os alunos, devido ao fato de esta ser a acomodação mais frequente no contexto acadêmico.

Instituições de Ensino Superior ao redor do mundo possuem núcleos de acessibilidade que buscam centralizar e facilitar o acesso de alunos a adaptações necessárias. A Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) conta com o Incluir – Núcleo de Inclusão e Acessibilidade. Esses espaços têm sido tensionados a abraçar também alunos com TDAH, mas ainda sem diretrizes claras. Ao redor do globo, há universidades que exigem laudo de um profissional da área, documentos especificando áreas de prejuízo e até medidas objetivas que corroborem o diagnóstico. No entanto, esse cenário é inconsistente, deixando alunos e instituições sem direção.

Para além da escassez de estudos, ainda temos um importante caminho a percorrer no que diz respeito aos direitos dos alunos com TDAH. Recentemente foi aprovada legislação que garante direito à acomodação escolar para esses alunos no Ensino Básico. No Ensino Superior, ainda não existe legislação específica. A discussão sobre o impacto do TDAH no contexto do Ensino Superior ainda é recente e há muito a ser feito. Fica o convite à comunidade acadêmica para que possamos discutir e construir novos caminhos para acolher esses alunos da melhor maneira.

(*) Flávia Wagner é psicóloga na UFRGS e doutora.

(*) Lui Martins Costa Malcon é psicólogo.

(*) Arthur Caye é graduado em Medicina e pós-doutorando no PPG em Psiquiatria da UFRGS.

(*) Luis Augusto Rohde é professor do Departamento de Psiquiatria e Medicina Legal da UFRGS.

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