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Toda solução cria um problema?

Por Cristiane Lang (*) | 10/11/2024 13:31

Essa é uma pergunta que provoca reflexão e, à primeira vista, parece contraditória. Afinal, quando buscamos resolver um problema, o objetivo é justamente eliminá-lo, não criar novos. Contudo, ao longo da história e na experiência cotidiana, é possível observar que a resolução de questões antigas frequentemente traz consigo consequências não previstas — novos problemas que emergem das mudanças implementadas.

A natureza da complexidade

A ideia de que toda solução cria um problema está profundamente relacionada à complexidade dos sistemas. A vida não é composta por partes isoladas e independentes, mas por um emaranhado de conexões e interdependências. Resolver um problema em uma parte do sistema inevitavelmente influencia outras partes, produzindo consequências que nem sempre podem ser previstas.

Por exemplo, a Revolução Industrial trouxe soluções fundamentais para a produção em massa, permitindo avanços na economia e na qualidade de vida. Mas, junto com essas melhorias, surgiram novos problemas: a poluição, a exploração do trabalho infantil e uma sociedade marcada por grandes desigualdades. Da mesma forma, na esfera individual, quando decidimos mudar um hábito para melhorar nossa saúde, podemos encontrar desafios em nossa vida social ou emocional.

Mudança de problemas

É importante distinguir a criação de novos problemas do simples deslocamento de problemas antigos. Muitas vezes, uma solução não elimina a raiz de um problema, apenas muda sua forma de se manifestar. Um exemplo prático é o uso de pesticidas para resolver problemas com pragas agrícolas. A solução inicial era simples: eliminar os insetos que prejudicam as colheitas. Contudo, essa abordagem levou a novas questões, como a resistência das pragas e a contaminação do solo e da água.

A digitalização das relações de trabalho é outro exemplo. A solução para o excesso de deslocamentos e para a necessidade de presença física constante foi o trabalho remoto. Isso trouxe, por um lado, maior flexibilidade e equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Por outro, aumentou os desafios com a falta de fronteiras claras entre as esferas privada e profissional, além de gerar novas questões de saúde mental.

Soluções como pontes

Essas observações sugerem que soluções são, na verdade, pontes de transição. Elas não encerram o ciclo de problemas, mas permitem uma evolução. Uma vez que um problema é resolvido, novas dinâmicas são criadas, exigindo novas adaptações e ajustes. Cada solução redefine o cenário em que nos encontramos e, nesse cenário transformado, surgem novos desafios.

Isso não deve ser visto como uma falha, mas como um reflexo natural da evolução humana e dos sistemas em que vivemos. Encarar soluções como pontes nos leva a um pensamento mais realista: não eliminamos problemas, mas os transformamos ou deslocamos. O que realmente importa é a direção e o impacto dessa transformação.

A ideia de problemas necessários

O fato de que toda solução gera novos problemas também aponta para a existência de problemas necessários, ou seja, aqueles que são inevitáveis em qualquer contexto. A complexidade do mundo e das relações humanas implica que, ao tentar melhorar algo, aceitamos inevitavelmente a criação de novos desafios, ou ao menos a transformação dos antigos.

Nesse sentido, podemos refletir sobre como cada solução traz consigo uma escolha de quais problemas estamos dispostos a enfrentar. Por exemplo, ao optar por desenvolver tecnologia de ponta para curar doenças, aceitamos lidar com questões éticas complexas e com desigualdades no acesso a tratamentos.

A perspectiva positiva

Reconhecer que toda solução cria novos problemas não deve nos levar a uma postura cínica ou paralisante, mas a uma atitude de vigilância e preparação. A verdadeira habilidade reside em antecipar, planejar e responder aos novos desafios com flexibilidade. Cada problema resolvido é uma oportunidade de crescimento, aprendizado e adaptação.

Essa perspectiva traz à tona um aspecto fundamental do desenvolvimento pessoal e social: aprender a lidar com a incerteza. Ao invés de focarmos em uma busca utópica por soluções finais e perfeitas, podemos desenvolver a habilidade de abraçar a imperfeição, entendendo que cada passo dado na resolução de problemas é, também, um passo rumo ao desconhecido.

Toda solução cria um problema? Em muitos aspectos, sim. Isso ocorre porque cada solução implica mudança, e toda mudança cria novas demandas, questões e conflitos. No entanto, o surgimento de novos problemas não é sinônimo de fracasso. É, na verdade, um sinal de progresso e movimento.

Se aceitarmos que os problemas são inerentes à vida, podemos nos aproximar deles com mais leveza e sabedoria. Ao invés de buscar uma perfeição inalcançável, podemos focar na melhoria contínua, compreendendo que cada desafio superado nos prepara melhor para lidar com os próximos. Afinal, a verdadeira questão não é se uma solução cria um problema, mas sim se estamos prontos para lidar com os novos problemas que ela traz.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica, especialista em Oncologia pelo Instituto de Ensino Albert Einstein de São Paulo. 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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