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Videogames no ensino, divulgação e produção de ciência

Por Rafael Bisso-Machado (*) | 19/10/2023 08:30

Os videogames se tornaram um aspecto cultural muito presente em âmbito global, como atestam pesquisas recentes ao apontarem a existência de aproximadamente 3,2 bilhões jogadores (40% da população global) ao redor do mundo.

Com um início restrito, em 1958, quando o físico William Higinbotham cria o Tennis for Two, um jogo de tênis mostrado em um osciloscópio e processado por um computador analógico, o videogame era um atrativo aos visitantes de seu laboratório. Hoje em dia, os games estão presentes nas mais variadas mídias, desde computadores e consoles, celulares e até diretamente na TV, via streaming.

Os videogames são mídias interativas e, por isso, ao contrário da aprendizagem num contexto típico de sala de aula, esses jogos eletrônicos envolvem os participantes na construção constante de conhecimento, incentivando-os a aprender por meio de tentativa e erro, penalizando o jogador por decisões erradas e recompensando as decisões acertadas.

A ciência vem fazendo uso dos videogames, por exemplo, para demonstrar que cérebros funcionais podem ser cultivados em laboratório. Há também a sua aplicação como “gameterapia”, na qual a utilização de videogames por idosos vem se mostrando benéfica para o cérebro, atuando no aumento da memória, na prevenção de doenças cognitivas menores e possivelmente até mesmo na prevenção da demência. Os videogames também se têm mostrado importante mídia, indo desde jogos cooptados para o ensino e a divulgação científica, criados com esse intuito, a jogos criados para a ciência cidadã.

Jogos “comerciais”, originalmente com objetivo único de entretenimento, podem ser utilizados por cientistas no ensino e na divulgação científica. Dawn of Man, por exemplo, é um jogo de estratégia e sobrevivência com o objetivo de fazer crescer e se desenvolver um assentamento de Homo sapiens desde o Paleolítico até a Idade do Ferro.

Consiste em uma simulação relativamente precisa da realidade, baseada no conhecimento científico. Seu nível de precisão o torna uma excelente ferramenta de divulgação científica para o público e, ainda, um método de aprendizagem para os alunos explorarem conceitos de biologia e antropologia relacionados aos caçadores-coletores do Paleolítico Europeu. Esse jogo foi analisado em detalhes em artigo científico. Além desse, Ancestors – The Humankind Odyssey e Far Cry Primal são exemplos de videogames que podem ser usados como ferramentas de aprendizagem.

Por outro lado, é cada vez maior o número de jogos criados por cientistas com o objetivo de promover a divulgação científica e o ensino de ciências. Adaptopia é um ótimo exemplo. Ele representa a materialização de um projeto no qual atuei como cientista consultor juntamente com a professora Melanie Stegman e seus estudantes na Maryland Institute College of Art.

Durante a disciplina Science Game Studio, no curso de graduação em Game Design, criamos o jogo no qual o participante deve movimentar uma população por biomas diversos em um mundo gerado proceduralmente. Explora, dessa forma, conceitos importantes em evolução humana, como o efeito da migração e da seleção natural sobre a adaptabilidade a diferentes biomas.

Naturalmente, desenvolver um jogo com propósito de ensino e/ou divulgação é uma tarefa desafiadora. Primeiramente, porque os estudantes do curso de Game Design não têm formação científica, mas deveriam conseguir transmitir conceitos técnicos relativamente complexos na dinâmica do jogo. O segundo desafio foi criar um jogo que transmitisse conhecimento científico de forma precisa, mas, principalmente, que fosse interessante como entretenimento.

O resultado tenta tornar possível esse diálogo entre entretenimento e ensino de ciências. Além dessa iniciativa acadêmica, Molecular Jig Games, Catlilli Games e Wick Works são outros exemplos de estúdios criados por cientistas com o objetivo de produzir jogos voltados ao ensino e à divulgação científica.

Os jogadores também estão ajudando os cientistas a resolverem problemas científicos enquanto participam de games online desenvolvidos por estes. Dessa forma, os videogames podem se tornar ferramenta para a ciência cidadã – quando há uma contribuição para a ciência a partir da participação dos membros da sociedade.

Foldit é o principal exemplo de videogame que está sendo usado para a ciência cidadã. Esse jogo online toma a forma de um quebra-cabeça para explorar o dobramento correto de proteínas. Estas precisam estar dobradas de maneira específica para funcionar, mas deduzir esse dobramento a partir da sequência de aminoácidos que as compõem é um problema biológico formidável.

Por meio desse jogo, os participantes resolveram em três semanas a estrutura de uma enzima que causa uma doença semelhante à AIDS em macacos, na qual os investigadores vinham trabalhando há 13 anos sem sucesso.

Atualmente, muitos grupos de pesquisa têm criado jogos dentro dos moldes da ciência cidadã para aproveitar esse grande potencial que vem de milhares de jogadores online em colaboração com descobertas científicas. Alguns outros exemplos de games feitos para a ciência cidadã são Planet Hunter TESS, Sea Hero Quest, Reverse the Odds, Eyewire e EteRNA.

Os jogos refletem a progressão gradual da aprendizagem que ocorre na vida de cada indivíduo. Assim como na vida real, na qual o aprendizado se torna cada vez mais complexo e necessário à sobrevivência, a estrutura básica dos videogames direciona inerentemente o jogador para esse progresso de aprendizagem para que ele possa “sobreviver” no jogo.

Os exemplos aqui apresentados demonstram que os videogames, quando utilizados de maneira adequada, podem expor as pessoas a conceitos científicos, levando-as a aprender mais, atuando, assim, como um importante meio de divulgação científica.

(*) Rafael Bisso-Machado é Pós-doutorando vinculado ao PPG em Genética e Biologia Molecular da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

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